Agências reguladoras federais sofrem com aparelhamento político e descaso
Elas estão sob ataque, o que equivale a dizer que os consumidores brasileiros estão na mesma situação
As agências reguladoras estão sob ataque, o que equivale a dizer que os consumidores brasileiros estão na mesma situação. Essas autarquias federais supervisionam a exploração de recursos como água, minérios e petróleo, controlam concessões que vão dos transportes à eletricidade, autorizam medicamentos e estabelecem normas para planos de saúde e para a aviação civil. Ou seja, regulam setores essenciais, por onde circula muito dinheiro. Por isso, é essencial que tenham algum grau de autonomia. A blindagem contra interferências políticas diretas foi o que permitiu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovar vacinas contra a covid-19 com rigor científico durante a pandemia, apesar da oposição do governo de então, e é o que possibilita à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) evitar populismo tarifário na conta de luz.
Em média, as agências arrecadam 11,5 bilhões de reais por ano em multas, taxas e outorgas, entre outras receitas, que engordam os cofres públicos, sendo que o que recebem de volta para funcionar não passa de 5 bilhões de reais anuais. Essa combinação de interesses econômicos e poder de decisão é o que faz com que as ameaças às agências reguladoras partam justamente de uma aliança entre os poderes Executivo e Legislativo. “Na esquerda, há a motivação ideológica de deslegitimar as privatizações, mas, no geral, o interesse da classe política é se apropriar de cargos públicos com poder de controlar tarifas, decidir investimentos e realizar leilões”, diz a economista Elena Landau.
Prova de que o loteamento político está a pleno vapor é a negociação que ocorre nos bastidores entre o governo Lula e o provável futuro presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para dividir as nomeações para as dezoito vagas de diretorias em aberto ou que vão abrir até fevereiro nas agências. Quem apadrinha uma nomeação garante um voto no conselho da agência em questão pelos quatro anos seguintes, que é o tempo de um mandato de diretor. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi o responsável por indicar parte da atual composição da diretoria da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Pacheco era empresário de ônibus interestaduais, setor em que ainda vigoram muitos monopólios e que é regulado justamente pela ANTT.
Por sua vez, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, está tentando emplacar dois nomes na cúpula da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Silveira tem histórico de enfrentamento com outra agência reguladora, a Aneel, cuja diretoria se opôs aos seus planos de antecipar recebíveis da Eletrobras e de transferir para a Âmbar Energia, empresa do grupo J&F, o controle da Amazonas Energia. Em resposta, Silveira passou a acusar a agência de não fiscalizar adequadamente a concessionária Enel, em São Paulo. A Aneel, a propósito, está com uma vaga de diretoria em aberto há mais de seis meses.
Esta é uma das táticas usadas para enfraquecer as agências reguladoras: cozinhar em banho-maria a nomeação de diretores e obrigar os órgãos a trabalhar com um quadro de funcionários reduzido. “Isso prejudica a governança das agências, pois os diretores cuidam de eixos temáticos que ficam paralisados, sem a possibilidade de avançar com uma agenda estruturante, e faz com que atividades básicas, como a fiscalização, fiquem em frangalhos”, diz Fábio Rosa, presidente do sindicato dos servidores das agências. Ele estima que, em média, as onze autarquias funcionam atualmente com apenas dois terços do número de funcionários previstos em lei. Alguns casos são mais graves, como o da Agência Nacional de Mineração, que tem preenchida apenas uma em cada três vagas existentes.
A segunda estratégia para promover o desmonte das agências é a aprovação de leis que reduzam sua autonomia e aumentem o controle político sobre elas. Um desses projetos é de autoria do deputado federal Danilo Forte (União Brasil-CE) e prevê dar à Câmara dos Deputados a competência privativa de fiscalizar as agências. Outra proposta está em discussão na Advocacia-Geral da União e pretende criar um modelo de controle ministerial ou uma “superagência” com a função de supervisionar as agências reguladoras, numa clara tentativa de estabelecer uma intervenção de cima para baixo nas autarquias. “Propostas de lei como essas são uma cortina de fumaça, pois tentam vender a ideia de que os problemas das agências reguladoras são causados por excesso de autonomia, mas já há muitos órgãos encarregados de fiscalizá-las”, diz Natasha Salinas, coordenadora científica do projeto Regulação em Números da FGV Direito Rio. O esforço para esvaziar o poder das agências é o que, de fato, prejudica a capacidade dessas autarquias de fiscalizar e regular os serviços públicos.
Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2024, edição nº 2922