Acordo Mercosul-UE vai facilitar exportação e baratear produtos importados
Na sexta-feira 28 foi anunciado o maior entendimento entre blocos comerciais do planeta — ele abarca 25% do PIB mundial
Foram vinte anos de árduas negociações, levadas à frente, pelo lado brasileiro, por cinco presidentes e um sem-número de ministros e técnicos de diversas áreas do governo, mas o final foi feliz. Na sexta-feira 28 foi anunciado o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia — o maior entendimento entre blocos comerciais do planeta. Ele abarca 25% do PIB mundial e forma um mercado consumidor de 780 milhões de pessoas. A medida tem por objetivo extinguir impostos de importação sobre mais de 90% dos produtos negociados por países-membros das duas regiões, o que permitirá uma expansão de 87,5 bilhões de dólares à economia nacional em quinze anos, bem como uma entrada de mais de 100 bilhões de dólares em investimentos diretos de nações europeias. É, sem dúvida, uma conquista histórica para todos os envolvidos.
“Esse será um dos acordos comerciais mais importantes de todos os tempos e trará benefícios enormes para nossa economia”, comemorou o presidente Jair Bolsonaro no Twitter. Não era para menos. As duas décadas de negociação evidenciam que os pontos de divergência eram muitos, porém a armada brasileira foi a Bruxelas determinada a sair de lá com o acordo fechado. Capitaneada pelo chanceler Ernesto Araújo, pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e pelo secretário especial de comércio exterior e assuntos internacionais do Ministério da Economia, Marcos Troyjo, a tropa governista tinha ciência da importância de entregar a boa notícia enquanto o presidente Bolsonaro participava da cúpula do G20 no Japão — não se poderia repetir o fiasco de sua presença no Fórum de Davos, em janeiro.
Para além desse aspecto mais, digamos, institucional, a ministra Tereza Cristina sabia que uma das maiores resistências ao acordo vinha dos tecnocratas da UE responsáveis pela segurança dos produtos agrícolas, e também da reação dos produtores sul-americanos às suas exigências. Ela agendou reuniões com seus principais representantes e falou grosso: cobrou o fim da inspeção de contêineres de carne nacional, o que encarecia o produto e tornava a proteína animal brasileira menos atraente para o consumidor europeu; e articulou a extinção do Princípio de Precaução, que impunha barreiras para a compra de mercadorias supostamente não condizentes com as recomendações do bloco europeu. A União Europeia queria que qualquer desconfiança de irregularidade em um produto levasse o Mercosul inteiro — Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai — a ficar proibido de vendê-lo para a UE. Mais: que coubesse ao país exportador o dever de provar sua adequação às regras sanitárias. “As negociações não se limitam a questões tarifárias”, lembra o ex-chanceler Celso Lafer, que costurava o acordo durante o governo FHC. “É preciso padronizar as exigências internacionais, tanto fitossanitárias quanto sustentáveis, dois grandes problemas no meu tempo de Itamaraty”, comentou ele.
O esforço da ministra deu certo. Os europeus cederam, e ficou acordado que o bloco que fizer a reclamação terá o ônus de provar que o produto, de fato, não apresenta condições de consumo. E, durante a apuração do problema, apenas os dois países envolvidos terão as relações interrompidas — e não o bloco todo, como exigia a burocracia do outro lado do Atlântico. O Brasil também arrancou da União Europeia o restabelecimento da exportação de peixes e crustáceos para o bloco, suspensa desde 2017, sem nenhuma base de questões sanitárias.
O brasileiro está cansado de ouvir que o país adota muitas medidas para proteger seus produtores locais, no entanto quem fez mais jogo duro nessa negociação foram as nações do norte. A carne, o açúcar e o etanol tropicais são significativamente mais competitivos que os europeus, dadas a escala, a qualidade e a eficiência do agronegócio nacional. Com a extinção das tarifas, governos como o da França e o da Itália temiam uma invasão de produtos bons e baratos com potencial de acabar com a indústria local. A diplomacia trouxe um resultado positivo. “Teremos acesso a um mercado qualificadíssimo, que era muito restritivo para açúcar e etanol brasileiros, que vai trazer um crescimento exponencial da exportação”, diz Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar. Em contrapartida, o Brasil — e todos os países do acordo — terá de coibir a produção, ou pelo menos a identificação, de mercadorias de origem controlada. A lista engloba 355 produtos europeus e 220 sul-americanos — destes, apenas 38 brasileiros — que não poderão ser fabricados fora de sua região nativa. Conhaques e champanhes, por exemplo, só sendo de, respectivamente, Cognac e Champagne. Do lado de cá, queijo de minas e cachaça, com tais denominações, passam a ter produção exclusiva em território nacional.
Em setores menos sensíveis, o Itamaraty encabeçou a discussão pela determinação de prazos de transição antes que se extingam totalmente as tarifas de importação de parte a parte. Na maioria dos casos, foi estabelecido um período entre quatro e quinze anos para, paulatinamente, cortar as tarifas até elas chegarem a zero, permitindo assim um tempo de adaptação dos atores locais à entrada da concorrência estrangeira. Por exemplo: automóveis terão a alíquota de importação zerada em quinze anos a partir da consolidação das regras, contudo a taxa cobrada para a entrada de veículos europeus no Mercosul cairá já de 35% para 17,5%, para uma cota de 50 000 veículos.
Em que pese a dimensão histórica do acordo, ainda falta muito para que ele entre, de fato, em vigor. É necessário que os poderes legislativos das 32 nações envolvidas ratifiquem a medida, e também o Parlamento único europeu. O Itamaraty estima que o processo todo demore de dois a três anos, entretanto políticos de alguns países já prometem criar problemas: o ministro do Meio Ambiente da França, François de Rugy, afirmou que a Europa só deve bater o martelo quanto à isenção de impostos se o Brasil cumprir objetivos referentes à redução de emissão de gases poluentes e, principalmente, promover medidas efetivas de preservação da Amazônia. Isso depois de o governo brasileiro tomar um pito da chanceler alemã Angela Merkel, que classificou como “dramática” a gestão do presidente Jair Bolsonaro nos assuntos relacionados ao meio ambiente. A notícia de que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou um desmatamento na Amazônia 60% maior em junho deste ano quando comparado ao mesmo mês de 2018 só pôs mais lenha na fogueira dos oposicionistas. A fim de melhorar sua imagem lá fora, o Brasil estuda realizar campanhas publicitárias na Europa para tentar mostrar que protege suas florestas e atestar à população do Velho Continente que as exportações nacionais passam por crivos de qualidade e têm condições de consumo. Tomara que dê certo — e que o Cone Sul e a Europa possam, enfim, trocar produtos, serviços e investimentos sem barreiras. ƒ
Com reportagem de Marcela Mattos
Publicado em VEJA de 10 de julho de 2019, edição nº 2642
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