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A opção equivocada do governo de privilegiar a Defesa em vez da Educação

Plano orçamentário para 2021 aumenta drasticamente os recursos para o Ministério da Defesa, em detrimento de pastas cruciais para o desenvolvimento do país

Por Victor Irajá Atualizado em 4 jun 2024, 15h36 - Publicado em 21 ago 2020, 06h00

Autor do clássico Leviatã, em que compara o Estado ao lendário gigante bíblico, o filósofo Thomas Hobbes (1588-1679) costumava dizer que a guerra é um fenômeno inerente à natureza humana, pois mesmo em tempos de paz “os homens sempre transportam armas e trancam suas portas”. Se no decorrer do tempo algumas culturas se mostraram menos inclinadas ao belicismo constatado pelo sábio no século XVII, no Brasil do presidente Jair Bolsonaro a assertiva de Hobbes é mais verdadeira do que nunca. No projeto para o Orçamento de 2021, o presidente manifestou claramente sua intenção de destinar mais recursos ao Ministério da Defesa do que a outras pastas cruciais no desenvolvimento do país, como a da Educação.

Em gestação, a proposta orçamentária prevê a disponibilização de 107,9 bilhões de reais para o ministério comandado pelo general Fernando Azevedo e Silva, ante os 73 bilhões de reais de 2020. Trata-se de uma determinação direta do presidente, que “decidiu modificar a distribuição de recursos”, de acordo com a proposta. Por outro lado, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, terá 102,9 bilhões de reais à disposição — menos do que o empenhado pelo governo federal neste ano. A proposta prevê uma espécie de proteção anticontingenciamento para os recursos da Defesa. Imbuído de colocar o texto em discussão no Parlamento, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, rechaçou a possibilidade. “A proposta não faz nenhum sentido”, declarou. De tão descabido e inoportuno, o plano rende críticas até mesmo de quem conhece bem as necessidades das forças militares.“Não é razoável que um aumento desse venha em detrimento de áreas como a Educação”, afirma Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa. “E, se fosse ocorrer um aumento, ele deveria vir acompanhado de uma mudança na composição dos gastos, com ênfase em investimentos em desenvolvimento tecnológico, e não em pessoal, como acontece hoje.”

Dos 107 bilhões de reais previstos, quase 90 bilhões de reais deverão ser destinados ao pagamento de funcionários. Outros 6,6 bilhões de reais serão gastos com “benefícios ao servidor”. Para projetos e “outras despesas”, o total previsto não chega a 9 bilhões de reais. Entre as novidades para 2021 pode estar a compra de seis novas fragatas para a Marinha, uma aquisição que encanta os militares. O ministro da Economia, Paulo Guedes, resistiu quanto pôde à pressão da Defesa para liberar a encomenda ainda em 2020, mas teve de ceder na confecção do Orçamento para o próximo ano.

Em meio à ganância militarista, chama atenção um detalhe do plano que trata de abocanhar 55 milhões de reais diretamente da área de Educação a título de pagamento dos oficiais que atuarão no programa de consolidação das escolas militares no Brasil. Além de moralmente discutível, é uma medida injusta. “As escolas militares já custam muito mais do que as instituições de ensino federais e atendem menos alunos”, explica Mirelli Malaguti, professora de economia da UFRJ.

A história mostra que Bolsonaro está errado. Logo após a II Guerra Mundial, o Japão e a Alemanha, os perdedores do conflito, se viram na condição de abrir mão de suas Forças Armadas por causa dos tratados de paz. Com isso, os dois países aplicaram os recursos que no passado iam para a suas máquinas de guerra em programas educacionais e de desenvolvimento tecnológico. O resultado é que, em menos de duas décadas, ambos já seguiam firmes como potências industriais. Sem inimigos externos, o Brasil agora ameaça gastar mal recursos que poderiam ser mais bem aplicados. É um claro sinal de que, por aqui, a mentalidade tacanha que incomodava Hobbes quase 400 anos atrás segue em alta.

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Publicado em VEJA de 26 de agosto de 2020, edição nº 2701

Nota do Ministério da Defesa:

O Ministério da Defesa esclarece que a matéria está amplamente equivocada, com informações que não correspondem à verdade.

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Este ano, o orçamento de despesa primária disponível para a Defesa é de R$ 106 bilhões e não de R$ 73 bilhões, como citado na matéria. O orçamento de despesa primária disponível para a Educação em 2020 é de R$ 124 bilhões.

Os valores do Orçamento do próximo ano ainda não foram definidos e só serão conhecidos após o envio ao Congresso, o que deve ocorrer até 31 de agosto. Ao contrário do que apresenta a matéria, não há qualquer indicação de que a Defesa terá mais recursos do que a Educação.

Ressalta-se, ainda, que a matéria se equivoca ao afirmar que “entre as novidades para 2021 pode estar a compra de seis novas fragatas para a Marinha, uma aquisição que encanta os militares”. O processo de obtenção de quatro fragatas da Classe Tamandaré já teve seu processo de capitalização integralmente concluído em 2019, como foi amplamente divulgado, inclusive pela própria VEJA.

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Sob a ótica da economia, é fundamental destacar que os investimentos em Defesa, em especial os Projetos Estratégicos, são importante fator de desenvolvimento. Eles respondem pela geração de mais de um milhão de empregos diretos e indiretos no Brasil. Só em 2019, o setor de Defesa exportou mais de R$ 6 bilhões em produtos e, para 2022, a previsão é de mais de R$ 20 bilhões em vendas ao mercado externo. A nossa Base Industrial de Defesa representa cerca de 4% do PIB e o efeito multiplicador é o maior de todos os setores da economia, mostrando o enorme potencial dos investimentos.

Esses investimentos estão fortemente relacionados à ciência, tecnologia e inovação. A Defesa vive, necessariamente, na fronteira do conhecimento tecnológico e tem, como uma de suas características principais, o caráter dual. Recentemente, essa característica permitiu rápida adaptação da indústria de Defesa, contribuindo diretamente para a produção de respiradores, essenciais na atual pandemia.

Ressalta-se ainda que o orçamento de despesas discricionárias do Ministério da Defesa (que chegou a R$ 13,3 bilhões em 2018) tem seu menor nível da série histórica em 2020, com R$ 10,1 bilhões para o custeio e para investimentos estratégicos. A capacidade de redução dos recursos está no limite suportável para as Forças Armadas de um país continental, com 5,7 milhões de km² de áreas jurisdicionais marítimas, 16.866 km de fronteiras e 22,1 milhões de km² de espaço aéreo.

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Em função das características do Brasil, há muitos anos as Forças Armadas realizam, inclusive por força de lei, atividades subsidiárias, diretamente ligadas ao desenvolvimento social e ao bem-estar da população: levando água às populações atingidas pela seca no Nordeste, prestando atendimento de saúde às populações ribeirinhas, construindo e reparando infraestrutura, realizando pesquisa científica na Antártica, participando de operações de paz em vários países, coordenando projetos sociais em todo território nacional, acolhendo imigrantes e refugiados, dentre inúmeras outras atividades. Em vários locais, muitas vezes, representam a única presença do Estado e a esperança das populações.

No momento, além de tudo isso, Marinha, Exército e Força Aérea empregam diariamente cerca de 34 mil militares no combate à pandemia do coronavírus, bem como aos crimes ambientais na Amazônia Legal.

Carlos Chagas Vianna Braga
Vice-Almirante
Coordenador da Comunicação Social e Porta-voz do Ministério da Defesa

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