A moda é ser grande: os impactos da fusão Arezzo-Soma no setor
Movimento abre caminho para o surgimento de uma gigante brasileira com produtos voltados para o consumo da alta renda
A estratégia de guerra conhecida como “dividir para conquistar”, atribuída ao imperador romano Júlio César, não poderia ser mais inapropriada para o varejo de moda brasileiro. Na verdade, o setor vai na direção oposta — é na junção de forças que reside a sua principal vantagem. Prova disso foi o anúncio, na segunda-feira 5, da fusão das empresas Arezzo&Co, dona de grifes como Arezzo, Anacapri e Schutz, com o Grupo Soma, detentor de Farm e Hering, entre outras. O negócio resultará em números superlativos. A nova companhia, cujo nome deverá ser decidido até junho, será a segunda maior do país no segmento, com valor de mercado calculado em 12 bilhões de reais, atrás da líder Renner, avaliada em 14 bilhões, e com uma boa distância da terceira colocada, a Centauro (3,1 bilhões de reais). Serão 34 marcas, 22 000 funcionários e 559 lojas próprias — isso sem falar nos franqueados, o que fará do grupo o maior inquilino de shopping centers do país e o principal comprador de mídia do varejo. Não à toa, as companhias têm se autoaclamado powerhouse of brands (uma usina de marcas, em tradução livre).
O mais inusitado da transação é o fato de nenhuma das empresas precisar da fusão. “Não estamos falando de companhias capengas, pelo contrário”, diz Ricardo Schweitzer, analista independente do setor varejista. “São empresas saudáveis que, casadas, poderão fazer ainda mais do que solteiras.” O banco americano Goldman Sachs chamou o acordo de uma “fusão entre iguais”. Faz sentido: após a combinação, os acionistas da Arezzo ficarão com 54% do negócio e os da Soma, com 46%, em linha com o valor de mercado das empresas no dia do anúncio da transação.
Ressalte-se que Arezzo e Soma têm sido as duas empresas de varejo com melhores resultados na bolsa brasileira pelo menos desde 2021. Elas passaram bem pelo combo explosivo de inflação e juros altos, que comprometeu o consumo da maioria dos brasileiros nos últimos anos. Ambas escaparam da crise porque miram um público-alvo de alta renda bem delimitado, que sente menos a inflação e não depende do crédito para suas compras. Esse também é o consumidor que vê menos apelo nos preços baixos do site chinês Shein. De fato, o setor de varejo de moda se fragmentou na bolsa entre as empresas em crise (notadamente a Marisa), as que estão resistindo, mas com lucros em queda (caso da Renner), e aquelas que não tomaram conhecimento dos desafios que a economia e a concorrência impuseram ao setor, como Arezzo e Soma.
A comparação com concorrentes tem outro aspecto relevante: quando as duas companhias começaram a fazer aquisições pesadas, depois de 2021, a Renner captou 4 bilhões de reais na bolsa prometendo usar o dinheiro também para incorporar novos negócios. Investidores entenderam que o capital seria alocado para alguma transação vultosa, e o mercado chegou a esperar uma junção com a C&A. O negócio nunca aconteceu, e a varejista gaúcha continua com 1 bilhão de reais parados no caixa.
Analistas de mercado enfatizam que a fusão traz muitas chances de fazer vendas cruzadas, sem sobreposições. Enquanto a Arezzo construiu uma história de décadas no segmento de calçados, o Soma se consolidou no imaginário brasileiro com a Farm e a Animale, duas marcas presentes no guarda-roupa de muitas mulheres de classe média alta do país. Agora, a nova companhia quer criar coleções de calçados pensados para as marcas de roupas — e vice-versa. Como ilustrado por Alexandre Birman, atual presidente da Arezzo e quem chefiará a empreitada, consumidores podem esperar por sapatos “Farm by Arezzo”.
O potencial do negócio é amplo. O banco BTG comparou a nova companhia a grupos globais de moda e luxo, como LVMH, dono das marcas Louis Vuitton, Bulgari e Moët & Chandon, e Kering, proprietário de Gucci e Balenciaga. “Esses conglomerados geralmente geram sinergias em distribuição (e, em alguns casos, em ganhos de produção), enquanto diversificam sua exposição a vários segmentos de moda”, escreveram os analistas do banco. Segundo seus sócios, o sonho da nova companhia é ser uma gigante global. O primeiro passo já foi dado.
Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2024, edição nº 2879