A joia da discórdia
A montadora japonesa Nissan e o executivo brasileiro Carlos Ghosn brigam à beira do mar de Copacabana pelo acesso a um apartamentaço de 600 metros quadrados
Os moradores do luxuoso edifício retratado na foto acima, de frente para a Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, andam irritados. O problema não é exatamente o mau comportamento de um vizinho, mas a confusão que um apartamento vazio está causando no prédio. Desde meados de novembro, quando o morador Carlos Ghosn, ex-presidente da aliança de montadoras de automóveis Renault-Nissan-Mitsubishi, foi preso no Japão, acusado de sonegar parte de seus rendimentos ao Fisco, dois seguranças parrudos circulam pelo prédio e arredores com cara de poucos amigos. Um foi contratado pela Nissan para ficar na porta do apartamento e impedir que familiares ou amigos de Ghosn entrem no local. O outro, contratado pelo próprio executivo, acomoda-se em um brechó próximo e fica de olho na porta do edifício, para garantir que nada seja retirado do apartamento.
O imbróglio começou em 19 de novembro, dia em que Ghosn foi preso no aeroporto de Tóquio. Além da acusação de sonegação, que teve origem em uma delação premiada de um funcionário da Nissan, a montadora afirma que o seu ex-presidente teria gastado 67 milhões de reais na compra de imóveis de luxo para uso próprio na Holanda, na França e no Líbano, além do apartamento de Copacabana — uma joia de 600 metros quadrados avaliada em 10 milhões de reais. A empresa se sentiu no direito, pois, de pegar as chaves da propriedade com uma assistente de Ghosn no escritório do Rio e, sem nenhum mandado judicial, entrou no imóvel, fez um inventário do que encontrou e trocou a fechadura das portas. A família enviou carta à Nissan pedindo a liberação de bens pessoais trancados lá dentro, mas não foi atendida.
A disputa teve início em 3 de dezembro, quando a Nissan foi à Justiça pedir formalmente que tudo o que estava no apartamento fosse arrolado. A empresa temia que o executivo tivesse se apropriado de bens da própria companhia. Também solicitou que fosse autorizado o arrombamento de três cofres encontrados no imóvel. Um dia depois, a família de Ghosn deu entrada a uma ação judicial pedindo a reintegração de posse não do apartamento, mas dos bens pessoais do executivo. Ao analisar o caso, o juiz Ricardo Cyfer, da 52ª Vara Cível, condenou a atitude da Nissan de entrar no imóvel sem ordem judicial. De acordo com o juiz, a investigação interna da empresa não lhe dava poderes para tal. “A suspeita genérica de que poderia, em tese, haver bens derivados de fraude ou crime não autoriza o arrolamento postulado”, escreveu. E acrescentou: “Em síntese, não se viola o direito constitucional à intimidade de alguém com lastro em suposições genéricas”. O juiz então deu uma liminar de reintegração de posse do imóvel à família de Ghosn para que, em 24 horas, fossem retomados pertences e documentos pessoais do executivo. Não houve tempo. A Nissan recorreu e conseguiu, no plantão do último sábado, dia 8, suspender a liminar. Agora, as partes aguardam uma decisão da 4ª Câmara Cível. Ghosn alega que está sendo vítima de um complô.
Segundo vizinhos, quem mais usava o imóvel era a filha Caroline, que mora nos Estados Unidos. Ghosn frequentava menos a propriedade, mas tinha o hábito de passar o réveillon ali com a família. Na segunda-feira 10, ele foi indiciado por sonegação e tornou-se alvo de um segundo mandado de prisão por subdeclarar sua renda por outros três anos. Imediatamente, a Corte de Tóquio aprovou a prorrogação de sua detenção. Pelo visto, dificilmente Ghosn verá os fogos de Copacabana neste ano.
Publicado em VEJA de 19 de dezembro de 2018, edição nº 2613