O risco de crise hídrica tem deixado a economia em alerta. Como o verão deste ano foi menos chuvoso do que o habitual, o nível dos reservatórios de hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste chegou ao final de maio com o armazenamento médio mais baixo para o mês desde 2001. O resultado disso já pode ser notado: o encarecimento da conta de energia elétrica no país e até um risco para a retomada econômica, como mostra VEJA desta semana. Em maio, quando vigorou a bandeira vermelha 1, a tarifa de eletricidade residencial avançou consideravelmente, de -0,45%, em abril, para 6,53%, segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Os números fazem parte do Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), que registrou alta de 3,40% em maio. Com este resultado, o indicador acumula alta de 14,13% no ano e 36,53% em 12 meses. Nesta quarta-feira, o IBGE divulga o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, IPCA, inflação oficial do país.
O economista André Braz, coordenador dos índices de preços da FGV, alerta para a necessidade de o governo estimular o consumo de fontes alternativas de energia. No momento, o baixo nível dos reservatórios faz com que a geração de energia migre para usinas termelétricas, que produzem a eletricidade a partir da queima de carvão, óleo combustível e gás natural em uma caldeira, um processo mais caro e menos sustentável se comparado com as usinas hidrelétricas. “Neste momento de seca mais intensa, em que o nível dos reservatórios baixou muito, o governo não vai ter outra saída a não ser usar as termelétricas. E, como a geração de energia fica mais cara, o reflexo na conta dos consumidores é imediato”, diz Braz.
Um novo avanço no indicador de preços de eletricidade deve ser notado em junho, mês em que vigora a bandeira vermelha patamar 2, a mais cara. Isso significa que será cobrado nas contas de luz de todos os consumidores do país um valor adicional de 6,24 reais para cada 100 kWh (quilowatt-hora) de energia consumidos. Para as empresas, esse aumento resulta em mais custos para a indústria e para o setor de serviços, o que pode pressionar os preços para os consumidores nos próximos meses. “A dona de um salão de beleza, que é intensivo em consumo de energia, vai sentir uma pressão de custos com o uso de secadores, aparelhos de esterilização etc. E terá de repassar esse aumento para o consumidor. Para a indústria, que consome energia em seu maquinário, isso representa uma alta de custo no momento em que se ensaia uma retomada”, exemplifica. O efeito da crise hídrica também deve representar uma pressão maior para o agronegócio.
Commodities
Mas não é só a energia elétrica que tem pressionado os níveis de inflação no país. Em maio, houve aceleração de preços em diversas commodities, como minério de ferro (de 4,63% para 17,03%), cana-de-açúcar (de 2,75% para 19,30%) e café (de 1,23% para 10,65%). Principal vilão do indicador, o minério de ferro acumula alta significativa de 117% nos últimos 12 meses. Segundo Braz, o avanço se deve a uma maior demanda por parte da indústria chinesa, que, por sua vez, experimenta uma reação acelerada diante da retomada econômica global, impulsionada pela vacinação em massa frente a Covid-19.
“O mundo está em uma outra fase de recuperação. O mundo já se vacinou ou está com uma vacinação muito avançada. Isso aquece a economia mundial. A China, que é a grande indústria do planeta, tem que atender a essa demanda global. Como a nossa moeda segue muito desvalorizada, o Brasil vira uma grande vitrine em promoção”, explica Braz. “Isso é bom para a nossa balança comercial, porque a gente exporta mais, mas é ruim para a inflação, porque desabastece o mercado local.” Para a economia doméstica, o avanço excessivo do preço do minério de ferro pode significar em uma contínua pressão inflacionária para bens de consumo duráveis (como automóveis, televisores e geladeira). “A indústria não repassou esse aumento do minério porque a demanda ainda está fraca. Ela diminuiu a margem, mas não vai trabalhar com essa margem reduzida pelo resto da vida. Quando a taxa de desemprego diminuir, esse aumento acumulado vai sustentar os repasses”, acrescenta.