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“A gente se tornou maior do que o Pão de Açúcar”, diz CEO do Assaí

Para Belmiro Gomes, migração de cliente com alto poder aquisitivo sustenta crescimento do atacarejo; ação acumula avanço de 20% desde estreia na bolsa

Por Felipe Mendes Atualizado em 6 jul 2021, 13h48 - Publicado em 6 jul 2021, 09h21

Um dos principais responsáveis pela mudança de patamar do Assaí Atacadista, Belmiro Gomes se considera um líder pragmático. Em entrevista a VEJA, ele conta que sua gestão é baseada em princípios básicos: “Humildade, simplicidade, agilidade na tomada de decisão e o sentimento de dono por parte do funcionário”. CEO da companhia desde 2010, Gomes transformou a pequena rede, que tinha 6 mil funcionários em 2011, em uma verdadeira potência. Hoje, 55 mil pessoas são responsáveis por tocar a operação de 187 lojas espalhadas pelo Brasil. Enquanto muitos pregam o fim do comércio físico com a expansão do e-commerce, Gomes promete abrir mais unidades. “Este ano iremos construir 500 mil metros quadrados de lojas físicas”. Com lucro bilionário e um faturamento de 39,4 bilhões de reais em 2020, a empresa se descolou do Grupo Pão de Açúcar na bolsa de valores de São Paulo, a B3. Desde 1º de março, quando estreou no mercado de ações, seus papéis acumulam alta de 20%. Para o executivo, a distinção foi uma decisão acertada e mostra que ainda há muito espaço para crescer, apesar dos desafios da pandemia e da inflação.

A pandemia ocasionou um descompasso entre o varejo e a produção da indústria. Como foi o impacto para o Assaí? Os manuais de pandemia foram escritos há muito tempo. Desde a gripe espanhola já se vão 100 anos. Houve, sim, algumas distorções no mercado, não só neste ano, mas também em 2020, com uma dificuldade de prever o impacto no curtíssimo prazo. Em março, no começo da pandemia, falava-se que faltaria álcool em gel e que sobraria cerveja e uísque nas gôndolas. Na prática, quando chegou o fim do ano, o que nós vimos foi o contrário.

Mas esse choque de demanda não atrapalhou? Sim. Para algumas categorias, foi impossível calcular a demanda, pois alguns itens surpreenderam, como os artigos de luxo, e tiveram um consumo maior, algo que não era esperado. Esse movimento inesperado de algumas categorias gerou uma série de distorções ao longo da cadeia, como, por exemplo, a falta de insumos para a fabricação de computadores. Tivemos um período de distorção muito grande e que ainda continua em 2021. A meu ver, inclusive, esse problema ainda perdurará no pós-pandemia até que a gente tenha uma acomodação. Essa dificuldade de calcular a demanda por alguns tipos de produtos e a pressão que o auxílio emergencial exerceu mexeram muito na base de consumo. À medida que o coronavírus foi diagnosticado fora da China, fizemos algumas medidas preventivas, mas sempre trabalhando com o cenário de se ajustar para o curto prazo, sem grandes movimentos estratégicos, até porque o setor em que estamos inseridos, o da alimentação, é um setor de giro de estoque muito rápido.

O auxílio emergencial, no fim, acabou sendo um dos ‘vilões’ para o atual nível de inflação que nós temos? O auxílio indiscutivelmente injetou muito recurso na base da população. Isso, aliado à desvalorização muito forte do real frente ao dólar, pressionou a cadeia de preço. Hoje, alguns produtos se mantêm acima do que tínhamos de expectativa. Enquanto perdurar essa desvalorização no câmbio e a alta demanda da China, algumas categorias de produtos vão continuar causando uma instabilidade no país. Na pandemia, o consumidor final aumentou o volume de compra e diminuiu a frequência de visita às lojas. Mas, em compensação, as categorias ligadas ao turismo, público muito importante para nós, deixaram de consumir como antes, o que nos trouxe um cenário desafiador e de oscilação.

Esse choque de demanda dos micro e pequenos empreendedores se mantém? Este cliente hoje está mais arisco. Ele tinha uma expectativa grande no final do ano, principalmente em novembro, quando a pandemia dava sinais de estar diminuindo sua intensidade, e muita gente imaginava que voltaríamos a ter um cenário de normalidade, mas não foi o que aconteceu. A entrada de 2021, com novas medidas de restrição, fez com que o setor de restaurantes, que já vinha muito combalido, sofrendo com as incertezas, agisse com extrema cautela para repor os estoques. Nesse período, nós tivemos de diminuir a exposição a produtos que são de embalagens específicas para restaurantes. Como são produtos perecíveis, com validade muito curta, não dá para correr o risco.

Como foi o trabalho que a empresa fez para manter essa clientela em meio à pandemia? Nós fizemos uma campanha voltada ao mercado de delivery, vendendo as embalagens específicas que são usadas para as entregas com mais de 20% de desconto, assumindo o prejuízo mesmo. Foram aproximadamente 90 tipos de produtos específicos para delivery que nós operamos por seis meses com desconto de 20% em toda a linha. O objetivo era tentar, de alguma forma, dar um apoio, porque o delivery foi uma das poucas maneiras que os restaurantes encontraram de continuar minimamente operando. Então, nós barateamos o insumo que eles mais precisavam naquele momento.

Com a inflação no setor de alimentos e a pandemia, a classe alta passou a frequentar mais o atacarejo? Sim. O setor obteve um crescimento forte no ano passado, acima em relação a outros formatos. Hoje, o atacarejo é o formato que mais cresce. Há uma série de fatores por trás disso. Alguns deles não estão ligados à pandemia. Pegando o Assaí como exemplo, nós crescemos, em média, 28% ao ano na última década. Um pouco disso tem a ver com a entrada de novas lojas. O novo formato possui, normalmente, uma aderência de boa parte da população, não só da população das classes C e D. Na última década, o atacarejo seguiu o modelo já visto nos Estados Unidos, com lojas maiores, mais iluminadas, e que atendem a todo tipo de cliente. Por isso, nós temos trabalhado muito para melhorar a experiência de compra, posicionando as lojas nos centros das cidades, lojas grandes e com um melhor nível de iluminação. Assim, nós quebramos o que muitos consideravam como calcanhar de Aquiles do atacarejo, que era a experiência de compra ruim. Temos usado muita tecnologia e automatização de processos para manter o custo operacional baixo, mas sem comprometer a experiência de compra. O número de produtos diferentes que o setor operava há uma década passou de 6 mil para quase 10 mil atualmente. Com uma gama maior de produtos, conseguimos espaço para penetrar em outras classes sociais. E isso vem dando muito certo.

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Como veio a decisão de separar as ações do Assaí dos papéis do GPA na bolsa? O Assaí foi adquirido pequeno pelo Pão de Açúcar, inicialmente em 2007 e depois, de forma completa, em 2010. Nos últimos anos, com a nossa taxa de crescimento, a gente se tornou maior do que o Pão de Açúcar, maior que o GPA. Para se ter ideia, no ano passado faturamos 39,4 bilhões de reais, enquanto o GPA faturou 30 bilhões de reais. As administrações das duas companhias já eram muito separadas. Os motivos da cisão, da separação em duas ações, foi porque muitos investidores olhavam e falavam: “Ah, mas eu quero investir no atacarejo, mas não quero investir mais no varejo”. Também tinham aqueles que não queriam carregar mais exposição em atacarejo. Então, optou-se pela separação, algo que, estrategicamente, foi bom, tanto que as ações das duas companhias subiram consideravelmente pós-cisão.

Agora, com a cisão, o Assaí pode fazer aquisições para continuar crescendo no país? Não há grandes projetos de aquisição. A gente continua muito focado na nossa expansão orgânica. É a maneira com que nós temos conseguido crescer e, desta forma, o retorno sobre o capital para o acionista também é melhor. Mas, obviamente, se surgir alguma oportunidade, algum negócio interessante no meio do caminho, pode ser que ocorra. E, sim, a cisão pode facilitar um pouco nesse sentido, mas não há nenhuma grande mudança estratégica no momento.

A participação de mercado do Assaí cresceu durante a pandemia. Esse avanço pode ser creditado à quebra de pequenas companhias? Não. O formato vem crescendo de forma sólida. Não houve quebra de players pequenos ou de regionais. O ganho de participação veio dos investimentos feitos em expansão. De modo geral, o formato vem crescendo e ainda há bastante espaço de expansão no Brasil.

Como o senhor prevê a retomada econômica? A minha visão é que, no pós-pandemia, vamos viver um momento de euforia. Todos esses serviços ligados ao turismo, que ficaram presos com a pandemia, devem vir mais forte do que eram antes. Vai ser um período de compensação. A expectativa é que também tenha uma recomposição da mão de obra rapidamente. Se a gente observar ao longo da história, nos períodos pós-guerra, pós-pandemia, pós-gripe espanhola, o que veio foi um período de euforia muito forte. Em 1919, a previsão era de que seria um ano de crise, de dificuldade, mas foi um ano de festa, o maior Carnaval que o Brasil já fez até hoje. Então, é possível que a gente tenha um efeito positivo muito mais forte do que tínhamos em 2019. Vai ser um ‘efeito champanhe’.

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