O que PF e MPF dizem sobre acusação de fraude de diretores da Americanas
Três documentos diferentes, elaborados por três órgãos associados à Justiça apontam o trabalho coordenado da antiga cúpula para fraudar a companhia

Três documentos diferentes, elaborados por três órgãos associados à Justiça – Polícia Federal, Ministério Público Federal e a 10ª Vara Criminal Federal da Justiça Federal do Rio de Janeiro –, apontam o trabalho coordenado da antiga cúpula da Lojas Americanas para fraudar a companhia ao induzir o conselho de administração a erro.
Na representação de decretação das medidas de busca e apreensão expedidas contra ex-executivos da varejista, elaborada pela Polícia Federal, há menções ao conselho – mas em todas fica indicado que “os responsáveis pela fraude agiam de modo a ocultar a real situação financeira e contábil”.
A representação da PF diz que Marcelo Nunes (que firmou acordo de delação premiada) descreveu “detalhadamente” a dinâmica da fraude do risco sacado (operação de crédito em que uma instituição financeira antecipa a um fornecedor o pagamento de uma compra feita por um varejista e cobra deste juros e encargos relacionados).
O risco sacado “nunca foi levado ao comitê financeiro” – pois, se o fosse, não seria possível ocultá-lo do balanço a ser apresentado aos conselheiros, diz o documento. Isso demonstra, diz o documento da PF, que “todos tinham certeza de que a Companhia era deficitária e, ainda assim, mês a mês, maquiavam os seus números e apresentavam ao Conselho e ao Mercado um lucro fictício”; e o “cuidado da diretoria para esconder do mercado e, inclusive, do Conselho de Administração a real situação da Companhia, intitulando planilhas como ‘Visão Interna’ e ‘Visão Conselho’”.
Como exemplo, a Polícia Federal menciona o Ebitda da Americanas de 2021: na “Visão Interna”, o resultado é negativo em 733 milhões de reais; já na “Visão Conselho”, o resultado apresentado é positivo em 2,9 bilhões de reais (dado que é o que aparece nas demonstrações financeiras divulgadas ao mercado). “Os documentos até agora identificados demonstram que se tratou de uma fraude de resultado, pois revelam que o resultado verdadeiro – negativo – era alterado pela DIRETORIA antes de sua divulgação.”
Houve inclusive fraudes sem impacto contábil – como a manipulação do GMV (Volume Bruto de Mercadorias, na sigla em inglês) do Marketplace, “que passou a ser divulgado a maior do que o efetivamente realizado”. Embora o GMV não afetasse as demonstrações de resultado, “gerava informações distorcidas sobre o crescimento do volume total vendido da Companhia”.
“Só existiam no papel”
Já o parecer elaborado pelo MPF destaca que a apuração interna realizada pela própria Americanas corroborou “os indícios de extensa fraude contábil destinada a ludibriar o mercado, o conselho de administração e os acionistas”. “Eram números que só existiam no papel e tinham por objetivo oferecer ao Conselho de Administração uma visão melhorada da condição econômico-financeira real das companhias”, diz o parecer.
Além disso, dizem os procuradores do MPF, a fraude envolveu a alta direção da empresa e diversos colaboradores “em detrimento de Americanas S/A, do Conselho de Administração e da pluralidade de investidores”. Como resultado da fraude, além do “dano bilionário” causado aos acionistas, fez com que os envolvidos no crime lucrassem “duplamente, pois obtinham bonificações, inclusive por meio de ações das empresas, ao supostamente atingirem suas metas internas; e, além disso, as ações por eles já detidas passavam a ter um valor artificiosamente elevado”.
“Indícios suficientes de materialidade”
A decisão da 10ª Vara Criminal Federal da Justiça Federal do Rio de Janeiro destaca, por fim, haver “indícios suficientes de materialidade e autoria” por parte do ex-CEO Miguel Gutierrez: “Além de ter, em tese, associado-se a mais de três pessoas com o intuito de cometer crimes, do ponto de vista hierárquico, era quem teria a palavra final sobre os números supostamente inflados que seriam levados ao Conselho de Administração e ao mercado’”.