Assédio sexual: tabu da iniciativa privada
Num meio competitivo como o corporativo, é tênue a linha que demarca o fim do rigor extremo e o início do assédio moral

As denúncias envolvendo o agora ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães jogaram luz sobre um problema que, até pouco tempo, invariavelmente costumava ficar escondido debaixo do tapete tanto de empresas públicas quanto privadas: o assédio sexual e moral. Funcionárias do banco acusam Guimarães de ter usado o poder do cargo para intimidá-las, com a servil complacência de vice-presidentes e diretores.
Não existem estatísticas gerais sobre o número de casos. Mas quem atua na ponta que recebe as denúncias afirma que é crescente a procura de profissionais – mulheres ou homens, jovens ou não – por ajuda e aconselhamento para lidar com a questão. “Assédio sexual é um tabu nas companhias”, afirma Luiz Concistre, consultor de carreira há 20 anos. “As empresas estão completamente despreparadas para lidar com assédio sexual ou moral”, completa Carmelina Nickel, outra especialista, com mais de 30 anos de atuação no setor.
Em parte das empresas, já existe um código que recomenda evitar expressões como “bonitona”, “gata” ou “queridinha” no contato entre um funcionário homem e sua subordinada e/ou par mulher. Assim como ficarem os dois sozinhos em uma sala: melhor ter a presença de uma terceira pessoa ou deixar a porta aberta. Parece pouco, e é.
Conheço mulheres, as principais vítimas de assédio sexual, que deixaram de denunciar o abuso por desconhecimento dos seus direitos ou mesmo por vergonha e medo de sofrer represálias. Sigilo na apresentação das denúncias? No geral, a notícia do caso acaba se espalhando pelo departamento inteiro, aumentando o constrangimento. E como o agressor costuma ocupar posto de comando – ou seja, “traz receita” para a companhia -, as investigações tendem a caminhar com dificuldade. No limite, não resta alternativa para a mulher senão pedir demissão.
O problema não é menor no caso do assédio moral, definido pelo Tribunal Superior do Trabalho como “a exposição de pessoas a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho, de forma repetitiva e prolongada, no exercício de suas atividades”. É o chefe que grita e ofende, acua e cobra resultados dos subordinados sem dar condições para isso. É o chefe querendo mostrar que ele… é o chefe.
Num meio competitivo como o corporativo, com suas metas de eficiência, discursos repetitivos de meritocracia e bônus de fim de ano, e onde o natural é trabalhar de 10 a 14 horas por dia, é tênue a linha que demarca o fim do rigor extremo e o início do assédio moral. Pressionados, funcionários humilhados veem a produtividade desabar, criando um círculo em que os ataques se sucedem até que o funcionário é afastado ou baixe doente no hospital.
Sinal dos tempos, não é de se estranhar que algumas negociações de rescisão de contrato de trabalho já incluam não apenas o cômputo das horas extras, mas também acordos monetários para indenizar casos de assédio moral.