Americanas: como um Conselho não vê um rombo de R$ 25 bi?
Investigações da PF e do MPF revelam detalhes da fraude; mas ainda falta explicar como ninguém desconfiou de nada antes, inclusive os principais sócios
A operação deflagrada na semana passada pela Polícia Federal (PF) jogou luz sobre a engrenagem que gestou um rombo de R$ 25,3 bilhões no balanço da Americanas, um ano e meio depois de o escândalo financeiro vir à tona, causando prejuízos a fornecedores, credores e funcionários. Tanto a PF quanto o Ministério Público Federal apontam o ex-CEO Miguel Gutierrez como o líder de um grupo formado por pelo menos 15 funcionários de vários escalões da empresa que, durante quase uma década, teria enganado auditorias e bancos.
A Justiça chegou a autorizar a prisão preventiva de Gutierrez e da ex-diretora Anna Christina Ramos Saicali. Ambos deixaram o País em meio às investigações. A defesa de Gutierrez nega a participação do executivo na falcatrua. Os advogados de Anna ainda não se pronunciaram oficialmente.
As revelações representaram uma avanço importante, mas não esclarecem um ponto capital no caso: como o conselho de administração de uma companhia como a Americanas se deixou enganar, por tanto tempo, por Gutierrez e seus cúmplices? Mais: um esquema como esse teria como prosperar sem o conhecimento dos chamados acionistas de referência da varejista – o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, cujos nomes sempre foram associados no mercado a termos como “eficiência”, “governança” e “meritocracia”?
Os três sempre negaram participação na fraude, mas banqueiros, empresários e executivos consultados pela coluna não parecem aceitar essa versão e defendem algum tipo de punição aos três. “Ou por cumplicidade ou por omissão”, afirma um banqueiro. “Se realmente não sabiam, é porque são incompetentes, e só queriam levar o dividendos. Isso é ruim, pois participantes de um conselho têm responsabilidades na companhia”, argumentou um executivo.
Pelas investigações da PF e do MPF, que se basearam na delação premiada de dois participantes da fraude e em documentos e mensagens de WhatsApp, o grupo manipulava os resultados financeiros da empresa para mostrar um falso aumento de caixa e, assim, valorizar artificialmente as ações da Americanas na Bolsa. Como “recompensa”, ganhavam o direito de receber bonificações generosas da empresa e ainda embolsavam lucros com a valorização das ações.
Casos como o da Americanas costumam provocar efeitos em ondas. O impacto inicial, lógico, é sentido por funcionários e fornecedores. Depois, geram um tortuoso caminho formado por inquéritos administrativos e processos judiciais que parecem nunca dar em nada. A longo prazo, no limite, podem desestimular o pequeno investidor a entrar na Bolsa e investir na compra de mais ações. Afinal, ele tem todo o direito de pensar: “Se aconteceu com uma Americanas, por que não pode acontecer com outras?”
É por isso que as investigações precisam chegar a todos os culpados. É por isso também que o próprio mercado deveria exigir uma atuação mais firme da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No mercado, a expectativa é de que também os sócios sejam responsabilizados de alguma forma, o que ajudaria a acabar com a imagem de que um conselho de administração só serve para captar dividendos da companhia.
*A coluna voltará em Agosto