O episódio da Petrobras não deveria ser surpresa para quem conhece o Brasil. Nem a Petrobras é uma empresa privada nem o Brasil é um país economicamente liberal. Por razões diferentes, tanto a direita quanto a esquerda se identificam com o significado da empresa. O slogan “O petróleo é nosso” sempre agradou a “gregos e troianos”.
Para o lado direito da política, a Petrobras representa autonomia diante das grandes irmãs que controlavam o petróleo no mundo. Representava também a afirmação da competência nacional diante do mundo, que duvidava da nossa capacidade de extrair petróleo. Para o lado esquerdo, a empresa servia de bandeira nacionalista, mas, sobretudo, de aparelho corporativista para deslanchar a luta pelo poder.
A Operação Lava-Jato revelou quanto a Petrobras serviu a interesses ideológicos da esquerda e da direita. Enquanto isso, abrigada por essas duas forças antagônicas, a burocracia da empresa construiu, para si, um castelo de benefícios salariais e parassalariais.
Esquerda e direita no Brasil, por razões diversas, adoram um Estado forte e intervencionista que, na prática, é tudo o que a Petrobras sempre simbolizou. Além do mais, a potência econômica da estatal serviu para movimentos de cooptação de apoios na sociedade, por meio de contratações e verbas publicitárias generosas.
Tais fatos não deslustram a excelência da empresa na exploração de petróleo offshore e na produção de ciência e tecnologia. Trata-se, sem dúvida, de um patrimônio nacional que deve ser valorizado.
“Quando ataca a política de preços da Petrobras, Bolsonaro não faz nada diferente de outros presidentes”
Quando, de forma dura, o presidente Jair Bolsonaro ataca a direção da empresa, como ocorreu recentemente, em essência não fez nada muito distinto de outros presidentes, que também interferiram na política de preços adotada para os combustíveis.
O mercado, por outro lado, tenta transformar em realidade o que não é. A Petrobras não é uma empresa privada. Além de ser, na prática, “monopolista”: não existe abastecimento de combustíveis no país sem a companhia.
Considerá-la privada em um ambiente de sérios dilemas liberais é desconhecer nossa realidade. O liberalismo no Brasil avança lentamente e os efeitos positivos de uma economia de mercado não são percebidos de maneira uniforme.
Os impasses e as demoras na implementação do programa de privatizações da atual gestão revelam que existe falta de convicção nas soluções liberais, seja dentro, seja fora do governo. Também no mercado há expectativas descalibradas sobre o liberalismo do governo.
As recentes iniciativas relacionadas à Eletrobras e aos Correios são boas intenções. A inclusão da empresa elétrica no programa de privatizações é um importante passo. Já a questão dos Correios ainda me parece nebulosa. Talvez fosse melhor abrir concessões para empresas privadas atuarem no setor competindo com o serviço postal estatal, como nos Estados Unidos.
Mas as intenções liberalizantes da equipe econômica somente se materializarão em avanços se o governo como um todo (incluindo o mundo político que o apoia) realmente se engajar em uma dura luta contra privilégios, preconceitos e crenças solidamente arraigados no software político do país.
Publicado em VEJA de 3 de março de 2021, edição nº 2727