Os riscos das sanções contra Alexandre de Moraes
Lei Global Magnitsky, permite ao Executivo americano sancionar indivíduos estrangeiros acusados de corrupção ou graves violações de direitos humanos

A possibilidade de o governo dos Estados Unidos aplicar sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, com base na Lei Global Magnitsky, gerou fortes reações no Brasil e acendeu alertas em setores estratégicos da sociedade americana. Embora a medida seja juridicamente possível, politicamente ela está longe de ser um consenso no establishment norte-americano — tanto no governo quanto nas esferas corporativas e institucionais.
A Lei Global Magnitsky, aprovada em 2016, permite ao Executivo americano sancionar indivíduos estrangeiros acusados de corrupção ou graves violações de direitos humanos. As penalidades variam entre o congelamento de bens nos EUA, bloqueio de transações financeiras com entidades americanas, cassação de vistos e até a suspensão de contas e serviços digitais providos por empresas sediadas nos EUA.
No caso de Alexandre de Moraes, o embasamento para a eventual aplicação da lei estaria na acusação — feita por parlamentares e setores conservadores norte-americanos — de que suas decisões no STF, especialmente envolvendo censura e combate à desinformação, violariam direitos fundamentais de liberdade de expressão. A avaliação, contudo, é controversa. Para juristas e diplomatas, trata-se de uma leitura politizada e parcial do exercício da jurisdição constitucional brasileira.
Mesmo dentro do governo americano, há divisões. Enquanto alguns congressistas republicanos, alinhados ao ex-presidente Donald Trump, pressionam pela aplicação imediata da sanção, setores do Departamento de Estado e do Tesouro demonstram cautela. Isso porque a medida poderia inaugurar um precedente arriscado de interferência direta em decisões de cortes supremas estrangeiras, ferindo princípios básicos da soberania internacional.
A preocupação com as consequências da medida vai além da diplomacia. No setor financeiro e no universo das Big Techs, o temor é de uma escalada de retaliações. Empresas como Google, Apple e Meta, que operam amplamente no Brasil, podem ser colocadas sob pressão caso o país reaja com restrições, investigações ou medidas regulatórias em resposta às sanções. Da mesma forma, bancos americanos que mantêm relações com autoridades ou instituições brasileiras enfrentariam um cenário de insegurança jurídica e institucional.
Executivos desses setores veem com preocupação o risco de o Brasil adotar uma postura de reciprocidade. Se contas bancárias ou ativos digitais de um ministro da Suprema Corte forem bloqueados por decisão unilateral americana, nada impediria que o Brasil aplicasse medidas semelhantes contra agentes públicos dos EUA em nome da defesa da soberania. A fragilidade do ambiente internacional, marcada por tensões geopolíticas, torna qualquer escalada diplomática mais perigosa do que parece à primeira vista.
Além disso, sanções contra um ministro da mais alta corte brasileira podem gerar instabilidade interna, alimentar narrativas populistas e prejudicar o ambiente de negócios. O Brasil é um importante parceiro comercial e geoestratégico dos EUA na América Latina. Uma ruptura institucional entre os dois países interessaria mais a atores rivais — como China e Rússia — do que à estabilidade hemisférica.
Por essas razões, setores ponderados da diplomacia americana aconselham prudência. Não se trata de blindar figuras públicas, mas de respeitar os limites da jurisdição internacional e de evitar que conflitos políticos internos de um país se transformem em crises diplomáticas globais. A punição a Moraes, longe de produzir ganhos simbólicos no front político interno dos EUA, pode custar caro nos campos econômico, estratégico e institucional.
A crise em gestação é, portanto, um teste não apenas para a diplomacia brasileira, mas também para a maturidade da política externa americana. Sanções devem ser instrumentos de última instância, reservados a casos graves e incontestáveis de violação de direitos. Usá-las como ferramenta de pressão política — ainda mais contra um dos mais altos magistrados de um país democrático — pode ser um erro com efeitos duradouros e contraproducentes.