O Brasil não mais precisa de uma estatal como a Petrobras para fazer crescer sua economia. Os tempos mudaram. Como já assinalei neste espaço, nos 100 séculos da civilização, as empresas estatais surgiram apenas nos dois últimos. A partir do século XIX, elas se tornaram necessárias para suprir falhas de mercado, ou seja, a ausência de capacidade empresarial e de mercados financeiros para viabilizar projetos de grande porte, fundamentais para o desenvolvimento.
A Revolução Industrial propiciou a acumulação de riqueza na Inglaterra, que se transformou na maior potência econômica do planeta. Outros países europeus e o Japão buscaram trilhar o mesmo caminho, mas lhes faltavam elementos como bancos e ferrovias. Daí a criação de empresas estatais nesses e em outros campos. À medida que as falhas de mercado sumiam, as estatais viraram fontes de ineficiências, inclusive por arcarem com custos típicos do setor público (não raramente, corrupção). Era chegada a hora de privatizar. O Japão fez isso no fim do século XIX e a Europa a partir dos anos 1980.
Na América Latina, o sentimento anticapitalista, característica da esquerda que não se modernizou, como o PT, forjou uma cultura favorável à perenização de estatais. Essa esquerda é prisioneira da ideia de um suposto papel estratégico dessas empresas, mas a fonte básica do desenvolvimento é a produtividade, e não o controle acionário. No período do pós-guerra, 80% do crescimento da economia americana adveio de ganhos de produtividade. No Brasil, 94% do êxito da agropecuária se explica pela produtividade.
“O Brasil já tem capacidade empresarial e de financiamento para a gestão privada da empresa”
O presidente Lula é um expoente da cultura retrógrada da imprescindibilidade das estatais. No dia 13/9/2024, ele disse que “uma empresa pública como a Petrobras serve não apenas para lucrar, mas para prestar serviços ao conjunto da população, e uma parte da possibilidade de seu ganho tem que ser revertido em benefícios”. A função de uma empresa estatal é, como dito, suprir falhas de mercado, e não exercer papéis característicos do governo, mesmo porque tem acionistas privados.
No mesmo discurso, Lula inventou que as investigações da Lava-Jato não eram para “prender corrupto”, mas sim “desmoralizar a Petrobras aos olhos da sociedade brasileira para depois falar: ‘Vamos vender’ ”. E arrematou: “O que eu gosto é de saber que estou com a verdade quando defendo as empresas públicas brasileiras”. A verdade é outra. A Lava-Jato revelou grossa corrupção na companhia, a qual foi comprovada em delações premiadas e em milhões de reais devolvidos aos seus cofres por corruptos e corruptores. A Petrobras pagou o preço de ser estatal.
O Brasil já dispõe de capacidade empresarial e de um robusto sistema de financiamento que viabilizam a gestão privada das atividades dessa empresa, incluindo o amplo acesso aos mercados globais de capitais. Ainda que as barreiras continuem a ser gigantescas, é preciso bater na tecla de que a privatização da Petrobras é melhor para ela e para o Brasil.
Publicado em VEJA de 11 de outubro de 2024, edição nº 2914