Em 1820, quando a Revolução Industrial se espalhava pela Europa e se iniciava nos Estados Unidos, a renda per capita americana (1 257 dólares) era o dobro da brasileira (674 dólares). Em 2022, a renda americana subiu para 62 866 e a brasileira, para 8 831. Ficou mais de sete vezes maior do que a nossa. Eles viraram a maior potência econômica, enquanto nós, malgrado o alto crescimento dos anos 1960 e 1970, estamos presos à mediocridade.
Vários estudos explicam por que não ficamos ricos. Uma das razões é o tempo de nossa democracia (38 anos) em comparação com a americana (247 anos). Salvo a exceção atual da China até aqui, o regime democrático é crucial para ampliar e sustentar o desenvolvimento. Outras razões são a baixa taxa de poupança e de investimento, a visão estatista da maioria da sociedade, o caos do regime tributário, a logística deficiente e, até recentemente, a ausência de um vigoroso mercado de crédito e de capitais. Talvez mais importante, a má qualidade da educação.
Somos um país de privilégios, que se traduzem em vantagens pessoais. Na feliz expressão de Marcos Lisboa, é a busca pela meia-entrada. Essa cultura, que impregna as elites, contribui para a desigualdade social do país, uma das maiores do mundo. Assistimos agora a uma demonstração inequívoca dessa realidade nas inúmeras exceções que reduzem a qualidade do excelente projeto de reforma tributária. Deixaremos de ter o melhor sistema de tributação do consumo do mundo, embora possamos superar o caos do regime atual. A reforma ampliará o potencial de crescimento, mas poderia ser bem melhor.
“A reforma deverá ampliar o potencial de crescimento do Brasil, mas ela poderia ser bem melhor”
Nada justifica que a tributação de certos serviços, consumidos essencialmente pelas classes mais abastadas, seja de apenas 40% da alíquota básica, enquanto no consumo dos pobres a cobrança será de 100%. E, quanto maiores forem as exceções, mais alta deverá ser a tributação dos não beneficiados pelos privilégios, essencialmente os pobres.
Um exemplo notável é a exceção, incluída no Senado, que reduz em 30% a alíquota dos serviços prestados por profissionais liberais (as chamadas profissões regulamentadas). Não há outra explicação para o privilégio além da força dos respectivos lobbies. Outra exceção é o regime específico para o saneamento, sob o argumento da elevação dos respectivos custos. A saída lógica seria devolver o imposto aos pobres, e não estender o benefício para os ricos.
O projeto da reforma foi preparado por pessoas competentes do setor privado. Com base na experiência mundial e na pesquisa acadêmica das últimas seis décadas, sugeriu-se alíquota única para o IVA, como ocorre nas suas versões mais modernas. O temor de que poderosos lobbies inviabilizassem a reforma levou à multiplicidade de alíquotas, que nos fará o campeão mundial nesse campo. Confirma-se o dito do saudoso Roberto Campos, para quem “o Brasil não perde oportunidade de perder oportunidades”. Será difícil o caminho que um dia nos conduza à condição de país rico.
Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2023, edição nº 2868