O teto de gastos não é o que Lula pensa
No Brasil de hoje, o teto de gastos é uma restrição orçamentária que protege a sociedade e os governantes de pressões para elevar a despesa pública
O ex-presidente Lula continua fazendo declarações assustadoras. Caso vença o pleito de outubro e mantenha suas opiniões recentes sobre questões fiscais, conduzirá o país a uma crise que condenará seu governo ao fracasso. A sociedade brasileira arcaria com os correspondentes efeitos negativos, principalmente as classes menos favorecidas, que sofreriam as consequências da alta da inflação.
Hoje, em entrevista à imprensa internacional, ele voltou a combater o teto de gastos, assinalando que a regra existiria apenas para beneficiar banqueiros e credores. Parece sugerir que seria recomendável suspender o pagamento da dívida pública. O dano à imagem e à credibilidade do país seriam enormes, acarretando fuga de capitais, dificuldades para rolar e/ou ampliar o endividamento do Tesouro, forte depreciação cambial e a altas de preços. Lula demonstra ignorar que apenas 29% da dívida interna está em mãos do sistema financeiro. Mais de 70% representam aplicações de brasileiros que investem no Tesouro Direto ou em fundos de investimento que têm os títulos federais em seus portfólios. O próprio Lula pode ter investido recursos nesses fundos.
Lula reiterou, na mesma entrevista, seu respeito pela responsabilidade fiscal, mas afirmou que não há necessidade de teto porque ele saberia o que fazer. “Não tem ninguém do mundo que tenha mostrado mais responsabilidade fiscal do que nós mostramos”. E acrescentou: “O governo sério sabe que não pode gastar mais do que tem”. É verdade que em seu primeiro período de governo exibiu surpreendente cuidado com a gestão fiscal, incluindo o aumento do superávit fiscal no início do mandato.
Acontece que ele não foi o mesmo no segundo mandato, quando surgiu a Nova Matriz Macroeconômica, de triste memória, que fez grandes estragos na economia, especialmente no governo de Dilma Rousseff. Lula precisa saber que o teto de gastos é uma proteção à sociedade contra a expansão imprudente do gasto público. Também protege o governante de pressões às quais não possa resistir. Trata-se de forte restrição orçamentária que ajuda o governante a dizer não e a bem gerir as finanças públicas em um país em que é muito baixa a margem de manobra no Orçamento. Cerca de 95% do gasto primário do Orçamento federal é composto por despesas obrigatórias.
Grande parte da sociedade brasileira espera tudo do governo, o que resulta em permanentes pressões para elevar gastos. Nosso sistema político (salvo raras exceções) ainda não incorporou a cultura da responsabilidade fiscal. Por isso, a condução adequada das questões orçamentárias não pode depender apenas da vontade do presidente da República. É preciso estabelecer regras e limites que impeçam aprovação irresponsável dos gastos públicos, pelo governo ou pelo Congresso. O teto de gastos não é o que Lula pensa, nem ele pode dispensar uma norma que restringe a expansão da despesa. Se quiser revogar o teto de gastos, precisará por algo crível em seu lugar.