O presidente Lula contribuiu para evitar a reeleição de Jair Bolsonaro, um político de pendores autoritários que acalentou, parece, o sonho de tornar-se um ditador. Distanciou-se, todavia, do político pragmático da campanha de 2002, quando abandonou as ideias insustentáveis do programa do PT. Escolheu, então, um banqueiro para presidir o Banco Central (BC), uma maldição para os petistas.
Agora, ele tem defendido visões dissociadas da realidade. Provoca incertezas que influenciam a taxa de câmbio, cujos impactos inflacionários prejudicam as classes menos favorecidas. Acusou o presidente do BC de não ter compromisso com o Brasil, preferindo viajar para Miami. Arvorando-se de especialista em política monetária, disse que a taxa de juros básica, a Selic, é injustificável. Questionou a independência do BC, ignorando que essa é a característica nas nações ricas e em grande parte dos países emergentes, inclusive na América Latina.
Inventou que “no imaginário do mercado, o presidente do BC tem que ser um representante do sistema financeiro”. No seu entender, o chefe da autoridade monetária não é “intocável”. Defendeu o direito de indicá-lo e de “tirar se não gostar”. Ocorre que a tese da independência está consolidada por décadas de experiência e vasta literatura. Com ela, o banco tem a capacidade de resistir aos caprichos de políticos da hora, que buscam reduzir a taxa de juros para elevar sua popularidade. Quando isso aconteceu, a consequência foi inflação alta, como no governo de Dilma Rousseff.
“Ao discorrer sobre temas complexos, líderes precisam se informar e evitar ser traídos por improvisos”
Igualmente equivocado foi seu comentário sobre a Vale, “uma tal de corporate” (corporation), a qual seria um “cachorro com muito dono”, que por isso morre de fome ou de sede. “É importante que essas empresas tenham nome, cara, identidade, porque assim o povo tem a quem cobrar.” Corporation é a empresa cujo controle acionário é disperso. É o modo mais avançado de organização de empresas de grande porte com ações negociadas no mercado.
Lula goza de muita credibilidade entre os menos informados e entre letrados que não entendem como funcionam a política monetária e as grandes empresas. Suas declarações animam integrantes de seu governo a fazer afirmações semelhantes. Foi o caso do ministro de Minas e Energia, o qual, violando regras mínimas da liturgia e urbanidade que o cargo exige, declarou que iria ter a “alegria” de ver a saída de Roberto Campos Neto do comando do BC. O presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) falou em “sabotagem explícita” de Campos, que “espalha pessimismo” entre empresários.
Quando a maior autoridade do país e auxiliares falam em solenidades ou entrevistas, seus comentários costumam ter repercussões, positivas ou negativas. Ao discorrer sobre temas complexos como os aqui comentados, é recomendável que se informem adequadamente, evitando ser traídos por improvisos inconsequentes. É assim que agem os líderes que acertam ao transmitir suas mensagens.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910