“The sick man of Europe” (o membro mais fraco da Europa) é o rótulo atribuído a qualquer nação europeia que enfrente dificuldades econômicas. Em meados do século XIX, o czar Nicolau I o teria aplicado pioneiramente à Turquia, em meio ao declínio do Império Otomano.
No século XX, outros países mereceram o título, caso do Império Russo em 1917. Nos anos 1920, foi a vez da República de Weimar (Alemanha). Nas décadas de 60 e 70, o Reino Unido tornou-se o sick man of Europe, dado o mau desempenho de governos trabalhistas. Nos anos 1990, o título coube à Alemanha, pelos efeitos negativos da reunificação. Em 2005, ganhou a Itália por seus problemas estruturais e dificuldades de promover reformas econômicas. Em 2018, ela voltou ao pódio com o impasse pós-eleitoral.
A Itália, tal como o Brasil, tem sofrido altos custos decorrentes de burocracia, corrupção, carga tributária elevada, mercado de trabalho rígido, sistema judiciário ineficaz e complexa estrutura regulatória. Mesmo assim, nas duas vezes do seu “reinado”, empresários e a imprensa afirmavam que as empresas não se importavam com o governo e podiam expandir-se independentemente desse ambiente. Era um mito. Recentemente, diante da instabilidade macroeconômica e das confusões do atual governo, empresários brasileiros pensam imitar os italianos. Melhor, dizem, esquecer a política e focar os negócios.
“Empresários tentam ignorar a política e focar os negócios, um raciocínio sem base”
Não há base para tal raciocínio. Ainda que existam empresas que prosperem em meio a climas desfavoráveis, isso não pode ser generalizado. O setor privado depende de instituições que assegurem o normal funcionamento dos mercados e principalmente de estabilidade macroeconômica e política que forneçam previsibilidade e segurança jurídica. A ausência desses fatores costuma gerar inflação alta, incertezas, queda da atividade econômica, redução da demanda por produtos e serviços, e riscos de intervenções súbitas e equivocadas na economia. Deficiências de infraestrutura elevam custos de fretes ou interrupções de energia elétrica, o que impacta na eficiência, na competitividade e na lucratividade das empresas. Disfunções nos mercados de crédito e de capitais, além de oscilações desenfreadas da taxa de câmbio, causadas por má gestão do governo, prejudicam os negócios.
Bons governos promovem a prosperidade, impulsionam a economia e ampliam os mercados das empresas, o que estimula o investimento, a inovação e os ganhos de produtividade. Ganham o país e o setor privado. Maus governos turvam o ambiente, provocam distúrbios, aumentam custos, inibem o investimento e criam riscos de ondas de prejuízos e falências.
Não existe, pois, um universo paralelo em que as empresas podem operar “esquecendo” o governo ou alheias à política. Os empresários precisam estar atentos à evolução dos cenários e, sempre que possível, participar do debate de ideias e de articulações que permitam a escolha de bons governos. A alienação pode ser fatal.
Publicado em VEJA de 11 de maio de 2022, edição nº 2788