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A democracia de Bolsonaro

Ele imagina ter poderes dos líderes de países totalitários

Por Maílson da Nóbrega Atualizado em 4 jun 2024, 12h51 - Publicado em 11 set 2021, 08h00

O presidente Jair Bolsonaro tem reiterado seu compromisso com a democracia e as regras da Constituição, mas se contradiz com ações que denunciam projetos autoritários e golpistas. Além disso, seus ataques a juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) e a inédita petição para que o Senado decretasse o impeachment do ministro Alexandre de Moraes — rejeitado pelo presidente da Casa — ferem princípios de independência e harmonia entre os poderes, que são inerentes à democracia.

Bolsonaro mostra não entender como funcionam as instituições nem os limites de seus poderes. Daí dizer que “eu sou a Constituição”, “com minha caneta tudo pode acontecer” e por aí afora. Invoca equivocadamente o artigo 142 da Carta Magna, que versa sobre as atribuições das Forças Armadas, imaginando que os militares poderiam apoiá-lo na aventura de um golpe. Nessa mesma linha, declarou que estaria “nas mãos das Forças Armadas, o poder moderador”, do qual derivaria “a certeza de garantia de nossa liberdade, da nossa democracia e o apoio total às decisões do presidente para o bem da nação”. E foi além: “Democracia e liberdade só existem quando as Forças Armadas assim o querem”.

“O presidente revelou ter dificuldades para entender como funcionam as instituições”

O poder moderador, idealizado pelo escritor francês Benjamim Constant (1767-1830), era o principal entre os cinco que ele propôs. Podia sobrepor-se aos demais, cabendo-lhe promover o equilíbrio dos outros quatro. A Constituição brasileira de 1824 o incorporou como o quarto poder. O imperador podia dissolver a Câmara de Deputados, nomear e demitir ministros de Estado. O poder moderador não consta da Carta de 1988.

O voto livre é elemento essencial da democracia, mas esta não pode ser definida com precisão. Na acepção etimológica, democracia é o governo do povo. A Wikipedia cita estudo que identificou 2 234 formas de descrever a democracia na língua inglesa. O cientista político Rafael Cortez prefere definir a democracia como “o regime em que governos perdem eleições”. Baseia-se em estudos de outro cientista político, o polonês Adam Przeworski. Aqui voltamos a Bolsonaro e à sua insistência no voto impresso, sem o qual “não vai ter eleição em 2022”. A proposta, sabe-se, foi derrotada no Congresso. Ele revelou, outra vez, a dificuldade de entender a extensão de seus poderes. A matéria é constitucional, e não de ato presidencial.

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No fundo, para o presidente, a democracia lhe permitiria intervir no sistema político e no STF (como já deu a entender) ou usar a caneta para emitir atos que extravasam sua competência formal. Máxima ironia, sua interpretação se aproxima de paradoxos encontráveis em regimes comunistas. Por exemplo, a Alemanha Oriental se denominava República Democrática Alemã. A Coreia do Norte, notável pela sobrevivência do regime, intitula-se República Popular Democrática da Coreia. Mao Tsé-tung definia o comunismo da China como “democracia ditatorial”. Os poderes que Bolsonaro pensa ter são os de líderes de países totalitários.

Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2021, edição nº 2755

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