A chance de evitar o desastre
A reforma estrutural do gasto público entrou no discurso político

Incidentes podem mudar a história. É o que terá acontecido com o aumento do imposto sobre operações financeiras, uma espécie de atalho para evitar que a matéria fosse submetida ao Congresso, ao qual compete, pela Constituição, decidir sobre a elevação de tributos. Como o IOF é uma incidência regulatória, cujas alíquotas podem ser elevadas por decreto presidencial, seu uso com fins arrecadatórios constituía uma usurpação dos poderes do Parlamento, como assinalou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre.
O ministro da Fazenda tinha suas razões para optar pelo IOF. O engessamento crescente da margem para despesas discricionárias — estranguladas pela expansão dos gastos obrigatórios — reduz o campo para ajustes fiscais. Diante disso, cortes de gastos se tornaram quase impossíveis, ao contrário do que pensam economistas, jornalistas e outros.
Para complicar, as emendas parlamentares (50 bilhões de reais) consomem perto de 25% dos itens discricionários. Mesmo considerando a arrecadação resultante do aumento do IOF, sobram apenas 72 bilhões de reais para financiar atividades essenciais do governo. Uma calamidade. Assim, por pior que fossem as consequências do aumento do IOF, a medida era um mal menor. Em circunstâncias menos graves, outros ministros da Fazenda recorreram à elevação do IOF com fins arrecadatórios.
“Haverá resistência às mudanças. O custo será alto, mas o ganho de confiança pode impedir o pior: o colapso fiscal”
Aqui estamos. Segundo o projeto de Lei das Diretrizes Orçamentárias, em 2027 as despesas obrigatórias ocuparão todo o espaço fiscal. Será o esgotamento da estratégia de ajuste ao desastre do aumento permanente de gastos da Constituição de 1988. Isso começou quando este escriba era ministro da Fazenda, quando se criou a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL). De lá para cá, salvo sob o teto de gastos, todos os ministros da Fazenda assim o fizeram.
A hora da verdade chegou. Sem reformas estruturais, temos um encontro marcado com um colapso fiscal de graves efeitos. Felizmente, pelo que se viu de declarações dos líderes que participaram de almoço com o presidente Lula, a palavra “estrutural” e suas variantes apareceram no discurso. O tema, que era típico de especialistas que alertavam para a crescente insustentabilidade fiscal e para a trajetória ascendente da relação entre a dívida pública e o produto interno bruto, ingressou no linguajar da classe política.
Não há garantia que essas reformas serão aprovadas ou que Lula vai apoiá-las. Haverá muita oposição, incluindo de parlamentares e grupos de interesse. Mesmo que aprovadas, seus efeitos demorarão a aparecer. Mas o que importa, agora, é sua inserção no discurso político. Com o tempo e novas lideranças comprometidas para valer com o futuro do país, chegará o momento de sua aceitação ampla. Como se diz, nada limita o avanço de mudanças cujo tempo chegou.
As negociações podem incluir o aumento do IOF por algum tempo, enquanto as reformas são discutidas e as resistências, contidas. O custo será alto, mas o ganho de confiança pode evitar o pior: o colapso fiscal.
Publicado em VEJA de 6 de junho de 2025, edição nº 2947