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Direito e Economia: sob as lentes de Coase

Por Paulo Furquim de Azevedo Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Análises com o rigor e o método acadêmicos, mas com uma linguagem acessível para todos, sem os jargões e as firulas do texto acadêmico. Com a co-autoria de Luciana Yeung

O preço da incerteza

Como a insegurança jurídica freia o futuro da infraestrutura no Brasil

Por Luciana Yeung
13 dez 2024, 16h12

Alguns anos atrás, três dos mais famosos economistas brasileiros – Persio Arida, Edmar Bacha e André Lara Resende (alguns dos “pais do Plano Real) – escreveram um influente capítulo de livro publicado no exterior pelo MIT Press. O capítulo se chamava Credit, Interests, and Jurisdictional Uncertainty: Conjectures on the Case of Brazil (Crédito, Juros e a Insegurança Jurídica: Conjecturas sobre o Caso do Brasil) e versava principalmente sobre os motivos de inexistir no nosso país um mercado de crédito de longo prazo. Ou seja, era um capítulo sobre macroeconomia. No entanto, seu impacto talvez tenha sido igualmente grande entre os estudiosos de Direito e Economia. O motivo foi um parágrafo colocado no meio do capítulo:

“A qualidade da execução de garantias é precária porque tanto a lei quanto a jurisprudência tendem a favorecer o devedor. Mesmo que o credor tenha conhecimento suficiente sobre o devedor e se sinta confortável em emprestar a ele por um longo período, a incerteza jurisdicional [ou insegurança jurídica] tornará seu crédito ilíquido. Relações bilaterais podem funcionar, mas a incerteza jurisdicional impede a possibilidade de transações multilaterais e impessoais que envolvam crédito por períodos prolongados. A consequência é o colapso quase completo de um mercado financeiro de longo prazo” (pp. 274-5, tradução livre).

Talvez o “furor” – tanto de apoiadores quanto de críticos – tenha sido criado porque, como mencionei acima, foi uma passagem colocada no meio do texto sem indicação empírica alguma. Como consequência, uma boa quantidade de trabalhos empíricos derivou dessa frase, todos na tentativa de encontrar (ou não encontrar) evidências factuais para a afirmação dos ilustres economistas (inclusive um dos capítulos da tese de doutorado desta colunista que aqui escreve).  

Dito isso, e por outro lado, vale lembrar que, no Brasil, a infraestrutura ocupa um papel estratégico no desenvolvimento econômico e social; porém, infelizmente, boa parte dela encontra-se em níveis bastante aquém do que a sociedade precisa. Uma rede de transportes absolutamente arcaica para um país continental (com raríssimas exceções em poucos estados do sul), saneamento básico que não chega a 40% dos domicílios (segundo dados do IBGE 2022), estruturas de energia e telecomunicações ainda típicas de um país pobre, tudo isso são retratos bem conhecidos de nosso dia a dia.

Talvez a maior tragédia seja o fato de que essa infraestrutura precária é, ao mesmo tempo, consequência e causa de nosso subdesenvolvimento, amarrando-nos a uma armadilha eterna de miséria. Não vou me delongar aqui explicando como todos esses serviços permitiriam ganhos de produtividade e promoveriam inclusão social (em termos de saúde, educação, conectividade física e de comunicações) para os cidadãos mais carentes. Destaco apenas o fato de que o avanço de todos esses setores de infraestrutura enfrenta um obstáculo conhecido e persistente: a insegurança jurídica, exatamente como afirmaram Arida, Bacha e Lara Resende. É por causa da persistente e muito significativa insegurança jurídica criada por leis e pelo Judiciário que os investimentos de longo prazo de capitais privados são desencorajados. Também não é preciso dizer que, especialmente em um país com as grandes restrições, mas ao mesmo tempo de grandes demandas como o Brasil, seria absolutamente impossível – e temeroso! – depender apenas de financiamento público para esse desafio.

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A insegurança jurídica refere-se à incerteza causada pela instabilidade normativa, decisões judiciais contraditórias ou morosas, e falta de previsibilidade regulatória. Esse cenário se agrava quando contratos firmados entre investidores e governos são desfeitos, revisados ou simplesmente desrespeitados por decisões administrativas ou judiciais, frequentemente motivadas por mudanças políticas ou interpretações legais duvidosas. A literatura recente e aplicada da análise econômica do direito está recheada de estudos de caso nesse sentido; infelizmente, basta acompanhar resultados de decisões judiciais, todos os dias, em qualquer lugar do Brasil para ter exemplos assim. 

Um dos pilares fundamentais para atrair investimentos em infraestrutura é a garantia de retorno financeiro em prazos longos. Esses projetos, por sua natureza, envolvem altos custos iniciais e só começam a gerar receitas após anos de operação. Para que empresas e fundos de investimento alavanquem recursos, é essencial que as condições contratuais permaneçam estáveis e protegidas contra intervenções arbitrárias. No Brasil, entretanto, o histórico de judicialização de concessões públicas, interrupção de projetos e alterações retroativas em contratos reduz a atratividade do país como destino de capital estrangeiro.

Exemplos emblemáticos incluem disputas judiciais em concessões rodoviárias e de saneamento básico, onde operadores enfrentam incertezas relacionadas a revisões tarifárias, redistribuição de riscos contratuais e exigências ambientais introduzidas tardiamente. Além disso, processos lentos para resolver disputas contratuais frequentemente resultam em paralisações de obras ou, no caso extremo, no abandono do projeto. 

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Uma característica peculiar ao cenário brasileiro é a intervenção judicial em políticas públicas e contratos de infraestrutura, frequentemente impulsionada pela atuação de Ministérios Públicos ou associações de consumidores. Embora legítima, essa atuação muitas vezes desconsidera os impactos econômicos mais amplos, como o aumento no custo de capital ou a retração de investidores. Adicionalmente, é extremamente comum a existência de decisões divergentes sobre temas semelhantes, criando um ambiente de incerteza. Porém, os magistrados sempre se defendem dizendo que “cada caso é um caso”. 

Um efeito crítico da insegurança jurídica é o aumento dos custos de financiamento. Bancos e investidores internacionais precificam o risco jurídico em suas avaliações, elevando as taxas de juros para projetos brasileiros ou mesmo excluindo o país de suas carteiras de investimentos. Além disso, investidores frequentemente buscam mecanismos de proteção, como seguros internacionais contra riscos políticos, o que adiciona custos e reduz a competitividade de projetos brasileiros em relação aos de outros mercados emergentes.

A incerteza também afeta a formulação de projetos. Em vez de optarem por modelos inovadores ou sustentáveis, investidores frequentemente priorizam projetos com prazos mais curtos e menor complexidade, limitando o potencial transformador das obras de infraestrutura. Isso perpetua a ausência de investimentos de impacto, especialmente em áreas que exigem maior maturação, como transporte ferroviário e mobilidade urbana.

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Para mitigar os impactos da insegurança jurídica, é necessária a coordenação entre Executivo, Legislativo e Judiciário, com padronização de contratos, transparência nas concessões e fortalecimento das agências reguladoras. Também, e um tema muito recorrente nesta coluna (preconizada pelo famoso teorema de Coase), o Judiciário deve priorizar métodos alternativos de resolução de disputas para tornar o processo mais célere, menos incerto, e com menos intervenções “populistas”. Além disso, políticas públicas alinhadas a objetivos de longo prazo e a proteção governamental/judicial aos contratos são cruciais para atrair investidores internacionais e garantir estabilidade. 

Para quem acompanha esse tema no dia-a-dia, infelizmente, a luz ainda não apareceu no túnel…

Referência Bibliográfica

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Arida, P., Bacha, E. L., & Lara-Rezende, A. (2005). Credit, Interests, and Jurisdictional Uncertainty: Conjectures on the Case of Brazil. In Giavazzi, F., Goldfajn, I., & Herrera, S. (ed.), Inflation Targeting, Debt, and the Brazilian Experience, 1999 to 2003 (pp. 265-293). Cambridge, MA: The MIT Press.

Luciana Yeung é Professora Associada do Insper. Membro-fundadora e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ALACDE). Pesquisadora-visitante no Institute of Law and Economics, da Universidade de Hamburgo (Alemanha). Autora de “O Judiciário Brasileiro – uma análise empírica e econômica”, “Introdução à Análise Econômica do Direito” (juntamente com Bradson Camelo) e “Análise Econômica do Direito: Temas Contemporâneos” (coord.), além de dezenas de artigos científicos e aplicados e capítulos de livro, todos na área do Direito & Economia.

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