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Direito e Economia: sob as lentes de Coase

Por Por Luciana Yeung e Paulo Furquim de Azevedo Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Análises com o rigor e o método acadêmicos, mas com uma linguagem acessível para todos, sem os jargões e as firulas do texto acadêmico

O Fundão Eleitoral e a Economia da Captura

O episódio da multiplicação do financiamento de R$ 1 bi para quase R$ 5 bi é didático de como parte do Congresso manipula verbas e o poder

Por Luciana Yeung
9 out 2025, 11h16

Na manhã de terça-feira 30 de setembro, a Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional aprovou, de forma simbólica, uma instrução normativa que eleva o montante previsto para o Fundo Eleitoral nas eleições de 2026 de R$ 1 bilhão para R$ 4,9 bilhões — ou seja, um acréscimo de R$ 3,9 bilhões do já polpudo e vergonhoso volume. Segundo o relator, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), trata-se de correção de um “equívoco” no cálculo original do Executivo, de modo a manter o fundo em um patamar equivalente ao usado nas eleições de 2024. Metade desse incremento virá do redirecionamento de emendas parlamentares (cerca de R$ 2,9 bilhões) e o restante do contingenciamento de despesas discricionárias não obrigatórias.

Aos olhos da chamada “teoria da public choice” (sobre a qual já tive oportunidade de discutir nesta coluna no dia 30 de outubro de 2024), esse episódio não é uma surpresa — ao contrário, é uma ilustração quase didática de como se comportam os agentes públicos quando operam dentro de arenas políticas. A teoria, desenvolvida por economistas como George Stigler, James Buchanan e Gordon Tullock, parte da premissa de que agentes públicos — parlamentares, ministros, relatores, juízes — têm incentivos pessoais (reeleição, poder, controle de recursos) que podem divergir do interesse coletivo. A aprovação do aumento exagerado do Fundão parece seguir exatamente este padrão: parlamentares enxergam nas emendas e nas rubricas de financiamento partidário uma fonte de poder político e clientelismo.

Em particular, o redirecionamento de emendas parlamentares para abastecer o fundo eleitoral evidencia a lógica de “orçamento de troca”: deputados e senadores oferecem seu apoio político em troca de recursos que podem beneficiar suas bases eleitorais, distritos ou partidos. Esse tipo de operação configura um “privilégio” institucional, protegido por regras orçamentárias frágeis e pela opacidade das negociações orçamentárias — temas centrais também nas teorias da economia institucional.

A economia institucional, em especial na vertente de Douglass North e seguidores como Daron Acemoglu e James Robinson (sobre a qual também discutiu-se neste espaço por diversas vezes), nos lembra que as instituições — regras formais e informais — moldam os incentivos e distribuem poder político. Se as regras orçamentárias permitem alterações por instrução normativa, sem debate amplo ou transparência (como ocorreu), os agentes com maior poder de barganha capturam o processo. Nesse sentido, o episódio em questão é representativo de uma captura institucional: aqueles que têm acesso à formulação orçamentária impõem sua vontade, sem enfrentar mecanismos institucionais eficazes de controle ou veto.

Além disso, a ampliação do fundo sob justificativa de “corrigir equívoco” escamoteia a dimensão política da medida. A retórica de que “corrigir é técnica, não política” tenta deslocar a discussão para um plano neutro, mas não convence quem conhece a natureza da alocação orçamentária: a operação foi deliberada e interesseira. Esse tipo de estratégia retórica costuma aparecer em regimes institucionais frágeis, nos quais o discurso técnico legitima decisões que, de fato, têm motivação política.

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Ademais, o uso de instrução normativa para uma decisão de tamanha magnitude revela fraqueza institucional: em vez de submeter o aumento ao crivo do plenário ou a debates públicos, optou-se por um mecanismo que transita abaixo do radar político de resistência. Isso indica que as instituições formais permitem artifícios para contornar a transparência e o escrutínio, favorecendo aqueles que já detêm o controle da agenda orçamentária.

Também é reveladora a dimensão distribucionista da medida: o valor inflado do fundo beneficia partidos maiores, com maior capilaridade nacional, e tende a perpetuar a desigualdade entre legendas com infraestrutura e recursos consolidados e aquelas menos estruturadas — uma assimetria que reforça a trajetória de path dependence institucional, ou seja, instituições levam a disparidades que se auto-reproduzem com o passar do tempo.

A justificativa dada é que o financiamento público de campanhas tem um papel de reduzir a influência do dinheiro privado e nivelar as disputas eleitorais. Mas, na verdade, via de regra, ele é que funciona como instrumento de expansão do poder legislativo sobre o governo e como fonte primária de captura política. Ou seja, o mecanismo que deveria promover democracia igualitária torna-se ferramenta de clientelismo e subsídio político das elites partidárias.

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Pior, do ponto de vista da teoria da public choice, a menor visibilidade da medida (votação simbólica, uso de instrução normativa) é típica de decisões de alto custo político: os agentes evitam voto nominal ou exposição, preferindo resoluções técnicas ou simbólicas para minimizar os danos eleitorais. Essa técnica é parte da racionalidade estratégica dos agentes públicos, a de aprovar o que favorece seus interesses, mas sem pagar o “preço político” diretamente.

O episódio evidencia a necessidade urgente de reformas estruturais — reforço do controle do TCU, mecanismos de veto legislativo mais fortes, transparência orçamentária em tempo real, restrições a alterações de emendas por via normativa, e a adoção de limites explícitos e automáticos para fundos partidários. Se essas reformas não forem implementadas, continuaremos a assistir a decisões orçamentárias que privilegiam elites políticas em detrimento do interesse público mais amplo.

Finalmente, para o leitor que acompanha esta coluna: esse episódio mostra que a disputa política no Brasil não é meramente retórica — ela se constrói em batalhas institucionais profundas, onde a “regra do jogo” muitas vezes conta mais do que os atores isolados. Enquanto o Congresso puder manipular emendas e fundos a seu bel-prazer, a sociedade brasileira permanecerá refém de seus interesses, aguardando — de mãos atadas — que representantes eleitos para servir ao público dediquem ao menos um instante a decisões capazes de melhorar a vida das pessoas.

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