ASSINE VEJA NEGÓCIOS
Imagem Blog

Direito e Economia: sob as lentes de Coase

Por Paulo Furquim de Azevedo Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Análises com o rigor e o método acadêmicos, mas com uma linguagem acessível para todos, sem os jargões e as firulas do texto acadêmico. Com a co-autoria de Luciana Yeung

Entre nações e gerações: um futuro que inspira

Na universidade suíça de St. Gallen, um evento serve de exemplo de liderança ao ser totalmente organizado e comandado por estudantes

Por Luciana Yeung
14 Maio 2025, 16h34

Na semana passada, tive a feliz oportunidade de passar alguns dias na Universidade de St. Gallen, na Suíça, como professora visitante pelo Insper. A cidade, organizada e charmosa, fica a cerca de uma hora de Zurique e é conhecida por sua forte tradição acadêmica, e por atrair mentes do mundo todo interessadas em refletir sobre os grandes desafios contemporâneos. Por coincidência — ou sorte — minha estada coincidiu com a realização do St. Gallen Symposium, evento apelidado por muitos de “mini Davos”.

Nunca estive no Fórum de Davos, mas o espírito parecia muito semelhante: um ambiente vibrante e cosmopolita, com debates densos, pluralidade de visões e um desejo genuíno de compreender os rumos do planeta. Estavam presentes mais de 1.200 participantes de ao menos 68 países, entre eles chefes de Estado e de governo — a presidente da Suíça, o de Montenegro, o vice de Botswana, o primeiro-ministro de Cingapura — além de ministros, altos representantes das Forças Armadas (como o chefe do Exército suíço), dezenas de CEOs de multinacionais europeias e suíças (Siemens, UBS, Deutsche Bank, Roche, Holcim, Swiss Airlines, Nespresso, Merck…), membros da ONU, da Otan, da União Europeia, do Clube de Roma, professores de universidades como Harvard, Cambridge e Tsinghua, jornalistas e muitas outras figuras públicas.

O que mais me impressionou, talvez, tenha sido a internacionalização genuína do evento. Confesso que, apesar de sempre ter sido fascinada por geopolítica e história internacional — na adolescência, sonhava ser diplomata —, raramente aprendi tanto sobre países tão distintos em tão pouco tempo. Um exemplo foi Montenegro. Ouvir o presidente do país, um jovem economista ainda com menos de 40 anos, foi uma experiência marcante. Inteligente, culto, lúcido e realista, ele abordou com profundidade os desafios de sua nação e as tensões globais atuais. Nada de populismo ou slogans vazios: sua fala foi uma aula de responsabilidade política e visão estratégica. Senti, de verdade, inveja positiva dos montenegrinos por terem um presidente assim.

Outro nome que me marcou foi o vice-presidente de Botswana. Já sabia que o país era uma rara exceção de estabilidade política e econômica na África Subsaariana, especialmente por estar cercado por vizinhos em constante estado de crise, guerras civis ou regimes autoritários. Mas ouvir diretamente do vice-presidente, em tom bem-humorado e pragmático, reforçou ainda mais essa percepção. Em meio à sua palestra, ele interrompeu para dizer que iria compartilhar uma “fofoca” — usando a palavra em inglês mesmo: “We want serious relationships… with people, companies and countries with deep pockets” (nós queremos relacionamentos sérios… com pessoas, empresas e países de bolso fundo). A plateia, lotada, explodiu em risos. Foi um dos momentos mais leves e espontâneos de um evento altamente intelectualizado.

Boa parte do simpósio foi dedicada a refletir sobre o futuro da Europa e seu papel no mundo. Um dos formatos mais instigantes foi o de uma competição de debates, com dois times — cada um com dois debatedores — tentando convencer a audiência. De um lado, os otimistas com o futuro do continente; do outro, os céticos. O vencedor? Não foi quem teve a maioria dos votos ao final, mas quem conseguiu reverter o maior número de opiniões ao longo da discussão. O público votava anonimamente no início e ao fim, por QR code. E o time vencedor foi justamente o dos céticos. Um dos debatedores era um africano fundador de uma ONG de acolhida de imigrantes na Europa, outro era um americano vivendo no continente, cujo ceticismo beirava o cinismo. Do lado otimista, uma italiana apaixonada, presidente de um partido político pan-europeu. O nível dos argumentos, a paixão nas falas, a retórica envolvente — tudo foi absolutamente contagiante. Foi, talvez, o melhor debate ao vivo que já assisti em toda a minha vida.

Continua após a publicidade

Os temas abordados durante o simpósio foram vastos e atuais: o papel das empresas diante das mudanças no poder geopolítico global, a guerra na Ucrânia, o retorno de Donald Trump aos holofotes nos Estados Unidos, a ascensão da China como potência política e militar, os conflitos entre Índia e Paquistão (que haviam escalado poucos dias antes do evento), a escolha de novos líderes em países-chave — inclusive, o resultado da segunda rodada das eleições na Alemanha tinha acabado de sair na véspera. E, para quem acha que eventos assim se limitam à diplomacia protocolar, é bom saber que não faltaram críticas incisivas: aos EUA, à China, à Rússia — mesmo com representantes desses países entre os presentes.

Infelizmente, não pude acompanhar tudo que gostaria. Apesar de o simpósio ocorrer dentro da própria universidade, minha agenda como professora visitante estava voltada a compromissos acadêmicos, encontros com pesquisadores e seminários. Ainda assim, aproveitei cada momento que pude — e não me arrependo nem um pouco.

Mas o que mais me comoveu, mais até do que o conteúdo dos debates, foi descobrir que toda a organização e condução do evento foi feita por alunos da graduação da Universidade de St. Gallen. Sim, estudantes. A comissão organizadora era composta inteiramente por universitários — eles planejaram, receberam os convidados, apresentaram os palestrantes e comandaram a programação. Claro que contaram com o apoio institucional da universidade, mas a responsabilidade e o protagonismo eram todos deles.

Continua após a publicidade

E não era apenas um simbolismo vazio. Havia um foco real na formação de lideranças jovens. O lema “formar os líderes do amanhã” estava em todos os discursos — mas, mais importante, estava na prática concreta. A cada fala de abertura, a cada painel conduzido, eu não conseguia deixar de pensar no currículo daquela garota de cabelos compridos, loiros, que presidia a comissão organizadora. Imagine dizer que comandou o 54º St Gallen Symposium? O futuro profissional dela já está garantido… Com toda a desenvoltura, ela e seus colegas mostraram que estão mais do que prontos para liderar — e não apenas no futuro distante.

Também nessa linha, um dos pontos altos foi a final da Global Essay Competition, competição global de ensaios que propõem soluções para grandes problemas mundiais. Mais de mil jovens enviaram textos que foram cuidadosamente lidos por uma comissão de professores da universidade. Os três finalistas apresentaram suas ideias ao vivo. Fiquei muito feliz em ver entre eles, um brasileiro — doutorando na Estônia — que acabou conquistando o segundo lugar. E descobrimos que o atual ministro do Interior da África do Sul, presente no evento, havia sido vice-campeão da mesma competição dez anos antes, quando ainda era aluno de PhD. Ou seja: os líderes do amanhã, de fato, tornam-se líderes do presente.

Foi certamente um dos eventos intelectualmente mais estimulantes de que já participei (e olha que participo de muitos…) Saía de cada sessão com a mente mais cheia, com novos aprendizados, novas perguntas, novas ideias, e um pouco mais de fé no mundo. Como cética que sou (votei pelo lado cético no debate sobre a Europa, admito), surpreendi a mim mesma ao deixar St. Gallen com um sopro de esperança. Esperança que veio não somente dos grandes nomes que discursaram (jovens e não tão jovens), mas também dos jovens que conduziram o evento com tanto talento, dedicação e brilho nos olhos. Que bom seria se mais gente pudesse viver uma experiência assim. Talvez, aí sim, a gente começasse a acreditar um pouco mais no futuro da humanidade.

Luciana Yeung é Professora Associada e Coordenadora do Núcleo de Análise Econômica do Direito do Insper. Membro-fundadora e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ALACDE). Pesquisadora-visitante no Institute of Law and Economics, da Universidade de Hamburgo (Alemanha). Autora de “O Judiciário Brasileiro – uma análise empírica e econômica”, “Curso de Análise Econômica do Direito” (juntamente com Bradson Camelo) e “Análise Econômica do Direito: Temas Contemporâneos” (coord.), além de dezenas de outras publicações, todos na área do Direito & Economia.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas R$ 5,99/mês*
ECONOMIZE ATÉ 59% OFF

Revista em Casa + Digital Completo

Nesta semana do Consumidor, aproveite a promoção que preparamos pra você.
Receba a revista em casa a partir de 10,99.
a partir de 10,99/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a R$ 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.