As estranhas causas da pobreza no Brasil
Exemplos pelo mundo mostram que o caminho da liberdade econômica foi o que levou mais países à prosperidade

A pobreza é um problema persistente no Brasil e em muitas partes do mundo. Mas será que ela é uma fatalidade, algo que não podemos evitar? Ou será que existem caminhos já conhecidos para superá-la, mas que simplesmente ignoramos? A resposta pode ser mais simples do que imaginamos, e um dos componentes certos dessa resposta reside na liberdade econômica.
A liberdade econômica é o direito fundamental que indivíduos e empresas têm de tomar decisões sem interferência excessiva do Estado (ou de outro agente, que não for diretamente impactado por elas). Isso inclui a liberdade para empreender, trocar bens e serviços e proteger propriedades. Há dados empíricos aos montes, e estatisticamente significativos, que mostram que países com maior liberdade econômica tendem a ser mais prósperos, mais desenvolvidos e com menos pobreza.
Estudos empíricos mostram que países com maior liberdade econômica têm PIB per capita mais alto, menor desigualdade e maior expectativa de vida. Por exemplo, o Heritage Foundation, um think tank americano, criou um índice que mede a liberdade econômica em diversos países. Os resultados são claros: países que estão no topo do ranking de liberdade econômica (alguns exemplos são Suíça, Singapura e Austrália) têm padrões de vida muito superiores aos de países no outro extremo do ranking, com os menores indicadores (Venezuela e Cuba estão entre alguns deles).
A América Latina é um exemplo interessante. A região é rica em recursos naturais, mas muitos países continuam presos em ciclos de pobreza e instabilidade econômica. Por quê? Uma das razões é o protecionismo e o excesso de intervenção estatal. O economista brasileiro Roberto Campos criticava o que chamava de “cinco ‘ismos’ fatais”: populismo, estruturalismo, protecionismo, estatismo e nacionalismo. Essas práticas, segundo ele, impediram a região de explorar suas vantagens comparativas e se integrar à economia global; apesar de não exatamente semelhantes, esses mesmos traços estão umbilicalmente relacionados a ambientes com pouca liberdade econômica.
Aqui novamente os dados empíricos corroboram os argumentos: países que abraçaram a liberdade econômica, como Chile e Uruguai, tiveram desempenho econômico muito melhor do que aqueles que continuaram com políticas protecionistas e intervencionistas. O Chile, por exemplo, reduziu drasticamente a pobreza nas últimas décadas, enquanto a Venezuela, que seguiu o caminho oposto, mergulhou em uma crise econômica sem precedentes.
Outro dado interessante vem do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede não apenas a renda, mas também a educação e a expectativa de vida. Não coincidentemente, liberdade econômica também parece estar positivamente correlacionada com o IDH: em 2018, por exemplo, os países mais livres tinham um IDH médio de 0,926, enquanto os mais reprimidos tinham um IDH de apenas 0,567.
O que o Brasil pode aprender disso tudo? O Brasil é um caso peculiar. Temos um dos maiores territórios do mundo, uma população jovem e recursos naturais abundantes. No entanto, continuamos presos em um ciclo de baixo crescimento e alta desigualdade. E a explicação pode ser as políticas econômicas que priorizam o Estado em detrimento do mercado. Roberto Campos costumava dizer que o Brasil “ainda não descobriu o capitalismo”. Ele se referia ao fato de que, apesar de sermos uma economia de mercado, ainda temos um Estado grande e intervencionista, que muitas vezes atrapalha mais do que ajuda. O protecionismo, por exemplo, protege indústrias ineficientes às custas do consumidor, enquanto a burocracia excessiva desincentiva o empreendedorismo.
O que se propõe aqui (e de maneira nada original, já que centenas de outros autores mais célebres já propuseram essa tese antes) é que, se quisermos – como nação – reduzir a pobreza e alcançar o desenvolvimento, precisamos abraçar a liberdade econômica. Isso não significa abandonar o Estado, mas sim garantir que ele cumpra seu papel de forma eficiente: proteger direitos de propriedade, garantir a segurança e fornecer serviços básicos como educação, saúde e segurança.
Temos diversas estórias recentes de países que mostraram que é possível sair da pobreza em poucas décadas com políticas que promovem a liberdade econômica. Esses países não tinham recursos naturais abundantes, mas investiram em educação, tecnologia, instituições sólidas e garantiram um ambiente de segurança jurídica. O resultado foi um crescimento econômico acelerado, uma drástica redução da pobreza e um aumento generalizado na vida e no bem-estar cotidiano das pessoas.
Então, é mais do que certo concluir que a pobreza não é uma fatalidade. Ela pode ser combatida com políticas que promovam a liberdade econômica, o empreendedorismo e a integração global. O Brasil tem todas as condições para seguir esse caminho, mas para isso precisamos abandonar velhas práticas e abraçar as lições que a história e os dados nos mostram. Roberto Campos costumava dizer que “de boas intenções o inferno está cheio”. Talvez seja hora de deixarmos de lado as (falsas) boas intenções, que muitas vezes vêm na forma de políticas mirabolantes e milagrosas. Ao invés disso, precisamos focar naquilo que a teoria e os dados mostram ser o que realmente funciona. A liberdade econômica não é apenas um ideal; é o caminho possível para a prosperidade e bem-estar da sociedade geral.
(Este artigo é baseado em um capítulo de livro que escrevi tempos atrás, faço referências abaixo. Inclusive, as referências dos dados e da literatura acadêmica citados acima estão todas lá.)
Referência:
Luciana Yeung, “As estranhas causas da pobreza do Brasil (e do mundo)”. In: Amanda Flávio de Oliveira; Alexandre Antônio Nogueira de Souza; Victor Duarte Almeida. (Org.). Liberalismo Econômico: estudos em homenagem a Roberto Campos. 1ed. São Paulo: Noeses, 2023, v. 1, p. 3-27.
Luciana Yeung é Professora Associada I e Coordenadora do Núcleo de Análise Econômica do Direito do Insper. Membro-fundadora e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ALACDE). Pesquisadora-visitante no Institute of Law and Economics, da Universidade de Hamburgo (Alemanha). Autora de “O Judiciário Brasileiro – uma análise empírica e econômica”, “Introdução à Análise Econômica do Direito” (juntamente com Bradson Camelo) e “Análise Econômica do Direito: Temas Contemporâneos” (coord.), além de dezenas de outras publicações, todos na área do Direito & Economia.