O presente inesperado de Trump a Lula
Entre o protecionismo americano e a baixa popularidade interna, uma chance histórica para o presidente brasileiro

O anúncio do presidente Donald Trump, impondo uma nova rodada de tarifas de importação, gerou reações intensas no cenário internacional. A medida, batizada por ele mesmo de “Dia da Libertação”, estabelece uma alíquota mínima de 10% sobre todas as importações, com sobretaxas mais pesadas contra países como China (34%), Vietnã (46%), União Europeia (20%) e Índia (26%).
Embora os impactos imediatos tenham provocado apreensão nos mercados e movimentado os tabuleiros diplomáticos, o movimento abre também uma janela de oportunidade estratégica para o Brasil. Diferentemente de outras nações, o país ficou sujeito apenas à tarifa mínima, o que o coloca numa posição vantajosa como alternativa comercial diante de parceiros agora penalizados.
Essa nova configuração cria um cenário singular: enquanto o mundo se fecha, o Brasil pode se abrir. A reordenação das cadeias globais de suprimentos, já em curso desde a pandemia e intensificada por tensões geopolíticas, encontra nesse pacote tarifário um ponto de inflexão. E o Brasil — se souber se posicionar — pode não apenas ampliar suas exportações, mas redefinir seu papel no comércio internacional.
Em setores industriais, a mudança é palpável. Com os produtos asiáticos encarecidos artificialmente pelas tarifas, fabricantes brasileiros de calçados, móveis, têxteis e eletrodomésticos ganham competitividade relativa. Cidades com tradição produtiva, como Franca, Novo Hamburgo e Blumenau, podem reencontrar espaço no mercado americano. A Embraer, já consolidada nos Estados Unidos, tende a se beneficiar da penalização imposta à aviação europeia.
As indústrias do aço e do alumínio, tradicionais exportadoras de produtos semimanufaturados, também veem novas oportunidades. E há espaço para crescer em autopeças, químicos, bens de capital leves e outros segmentos que enfrentavam concorrência desleal de países agora atingidos.
No agronegócio, os efeitos podem ser ainda mais significativos. Produtos como café, papel e celulose e carne bovina já compõem uma pauta forte com os Estados Unidos. Mas o novo cenário permite ir além: há espaço para ampliar a presença de alimentos processados, produtos orgânicos e especialidades brasileiras. O Brasil, tradicional fornecedor de commodities, pode passar a ocupar nichos mais sofisticados e estáveis.
Ao mesmo tempo, ganha força a lógica do nearshoring — a substituição de cadeias produtivas longas e vulneráveis por redes mais próximas e resilientes. A localização estratégica do Brasil, combinada à diversidade industrial e a relativa estabilidade institucional, o torna uma alternativa concreta para empresas americanas que buscam parceiros fora da Ásia.
Nada disso acontecerá por inércia. É preciso articulação entre o setor privado e o governo, investimento em infraestrutura, simplificação regulatória, segurança jurídica e uma diplomacia econômica ativa. O Brasil precisa agir com rapidez e inteligência, oferecendo ao mercado americano não apenas produtos, mas previsibilidade, qualidade e compromisso de longo prazo.
A ironia é evidente: foi justamente o protecionismo americano que abriu uma brecha para o Brasil. E cabe agora ao presidente Lula, num momento em que enfrenta níveis baixos de aprovação, avaliar se essa brecha será desperdiçada ou transformada em trunfo econômico e político.
O comércio internacional passa por uma reconfiguração profunda. A globalização dá lugar a novas formas de interdependência, mais regionais, seletivas e sensíveis ao risco. As tarifas impostas pelos Estados Unidos podem, sim, ser lidas como um presente — não pela intenção, mas pelo efeito. Se bem aproveitado, esse presente pode reposicionar o Brasil não como coadjuvante, mas como protagonista do novo ciclo global.
Gustavo Diniz Junqueira foi Secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, Presidente da Sociedade Rural Brasileira e é empresário do agronegócio.