O Brasil está pronto para o próximo ciclo de expansão com a China?
O comércio bilateral cresceu de 19 milhões de dólares para 157,5 bilhões em 50 anos. E o futuro é promissor
Há cinquenta anos, em 15 de agosto de 1974, o Brasil deu um passo ousado ao estabelecer relações diplomáticas com a República Popular da China, tornando-se um dos primeiros países da América Latina a fazê-lo. Essa decisão, à época visionária, pavimentou o caminho para uma das mais importantes relações bilaterais no cenário global atual. Hoje, o que observamos é um aprofundamento sem precedentes dessa parceria, com potencial para redefinir os contornos da economia brasileira e consolidar o Brasil como protagonista em setores-chave do comércio global.
O impressionante crescimento no comércio bilateral é um testemunho dessa parceria. De modestos 19,4 milhões de dólares em 1974, o intercâmbio comercial entre os dois países chegou a 157,5 bilhões de dólares em 2023, um aumento de mais de 8 000 vezes. Esse salto se deve, em grande parte, ao apetite voraz da China por soja, minério de ferro e petróleo, que colocou o Brasil como fornecedor indispensável em suas cadeias produtivas.
No entanto, o momento atual apresenta nuances ainda mais ricas e promissoras. O encontro do G20 em 2024, seguido pela visita do presidente Xi Jinping ao Brasil, resultou na assinatura de 37 acordos bilaterais. Essas iniciativas abrangem setores estratégicos como agricultura, tecnologia alimentar, inteligência artificial no agronegócio e infraestrutura sustentável. O impacto desses acordos pode não apenas reforçar o protagonismo brasileiro no fornecimento de commodities, mas também pavimentar o caminho para uma transição do país para exportações de maior valor agregado.
A ascensão da classe média chinesa é uma das histórias econômicas mais fascinantes do século XXI. Com cerca de 400 milhões de consumidores de classe média e previsão de aumento, a demanda por alimentos de maior qualidade, produtos sofisticados e sustentáveis redefiniu o mercado interno da China. A carne bovina, que outrora era vista como um luxo, agora compete com a carne suína em relevância. Produtos de alta qualidade, certificados e ambientalmente sustentáveis têm cada vez mais espaço nas mesas chinesas.
A importância desse mercado para o agronegócio brasileiro não pode ser subestimada. Em novembro de 2024, a BRF deu um passo estratégico ao adquirir uma fábrica de alimentos processados na província de Henan, com planos de expandir sua capacidade para atender à crescente demanda por proteínas. Ao mesmo tempo, a Luckin Coffee, gigante do setor de cafeterias na China, comprometeu-se a dobrar suas compras de café brasileiro, alcançando 240 000 toneladas em 2025. Esses movimentos sinalizam um alinhamento estratégico entre as necessidades do consumidor chinês e a capacidade de produção brasileira.
Outro ponto de destaque é o investimento chinês em infraestrutura, não apenas dentro de suas fronteiras, mas também em projetos estratégicos na América Latina. O Porto de Chancay, no Peru, construído pela estatal Cosco Shipping Ports, é um exemplo emblemático. Esse megaporto, localizado a cerca de 80 km de Lima, promete reduzir o tempo de transporte marítimo entre a América Latina e a China de 45 para apenas 10 dias. Para o Brasil, esse projeto pode se tornar uma alternativa estratégica para o escoamento de commodities agrícolas, desde que os desafios logísticos internos, como a precária Rodovia Transoceânica, sejam superados.
Apesar do otimismo, a dependência brasileira do mercado chinês apresenta riscos. Em 2023, a China respondeu por cerca de 31% das exportações brasileiras. Uma desaceleração na economia chinesa ou mudanças abruptas em suas políticas de importação podem ter impactos devastadores sobre o agronegócio e outros setores. Além disso, a concorrência internacional no fornecimento de commodities e alimentos sofisticados está se intensificando, com países como os Estados Unidos e a Austrália investindo pesadamente para ganhar fatias do mercado chinês.
Esse cenário reforça a necessidade de diversificação dos parceiros comerciais do Brasil e a criação de um ambiente mais propício para agregar valor aos seus produtos exportados. A dependência excessiva de um único parceiro comercial torna o país vulnerável a flutuações econômicas e geopolíticas, especialmente no atual contexto de rivalidade sino-americana.
O fortalecimento das relações entre Brasil e China apresenta uma oportunidade única para que o Brasil não apenas mantenha seu papel como um fornecedor global de alimentos e insumos, mas também se posicione como um exportador de tecnologia e inovação. As iniciativas assinadas no G20 abrem caminho para a cooperação em áreas como inteligência artificial aplicada ao agronegócio, infraestrutura sustentável e desenvolvimento tecnológico, colocando o Brasil na vanguarda das transformações globais.
Capitalizar sobre essas oportunidades exigirá planejamento estratégico, investimentos em infraestrutura logística e um enfoque na sustentabilidade ambiental. O Brasil deve equilibrar suas prioridades geopolíticas, mantendo relações sólidas com os Estados Unidos enquanto aprofunda sua parceria com a China.
Se bem administrada, a relação Brasil-China pode se tornar o alicerce de um novo ciclo de prosperidade, não apenas para o agronegócio, mas para a economia brasileira como um todo. A pergunta que permanece é: estaremos prontos para aproveitar essa oportunidade histórica?
*Gustavo Junqueira é empresário e atua nos conselhos de administração do fundo Exagon, da Alper Seguros, da AgriBrasil e da Capturiant. Foi secretário estadual de Agricultura em São Paulo