Um legado para a posteridade
Doação anônima de casa projetada por Oscar Niemeyer com jardins de Burle Marx garante vida longa ao acervo do maior paisagista brasileiro
Em um exercício de cidadania e investimento no patrimônio cultural brasileiro, o legado monumental do modernista Roberto Burle Marx (1909-1994) vai ganhar morada definitiva. Maquetes, projetos, estudos e desenhos originais ficarão hospedados no terreno onde está a Casa Cavanelas, projetada por Oscar Niemeyer (1907-2012) com paisagismo do mestre distribuído em 215 000 metros quadrados, na região serrana do Rio. A propriedade foi comprada do publicitário Gilberto Strunck (terceiro dono desde que foi erguida, em 1954) e doada por alguém que não quer identificar-se, com a condição de que o local se tornasse um espaço de referência para visitantes, pesquisadores e estudantes.
Apesar de ter criado projetos de uso público, como os jardins do Parque do Flamengo e do Museu de Arte Moderna, no Rio, e do Eixo Monumental, em Brasília, o trabalho de Burle Marx, que vai além de jardins, ainda é pouco visto e conhecido. Isabela Ono, filha de Haruyoshi Ono, sócio e herdeiro do artista, quer mudar isso. A diretora-executiva do Instituto Burle Marx vai coordenar com o escritório Bernardes Arquitetura as reformas necessárias à adequação do terreno para instalar no novo endereço cerca de 150 000 itens.
“Fizemos um estudo ambiental do espaço e faremos uma intervenção delicada para não descaracterizar nada. Trata-se de um projeto desafiador e assustador ao mesmo tempo, carregado de muita responsabilidade”, diz Thiago Bernardes, à frente da equipe que vai usar madeira e materiais pré-moldados que mimetizam a mata. Irão surgir reserva técnica, biblioteca, galeria expositiva, café, loja e ateliê. A Casa Cavanelas será mobiliada com móveis de época e não sofrerá interferências. A previsão é que tudo fique pronto até 2028, custeado pelo doador, e novos aportes são esperados para fazer a estrutura funcionar.
À luz da perspectiva de celebração, em 2024, de 115 anos de seu nascimento, trinta anos de sua morte e setenta anos da casa que tem jardins dele, não é temerário dizer que Burle Marx é um dos maiores paisagistas do século XX. “Cresci vendo essas experimentações de vida, convivo com isso há 25 anos e ainda estou descobrindo tesouros. Ele defendeu os biomas nacionais, as plantas brasileiras, criou pinturas e joias, cantava, celebrava a vida como ninguém”, afirma Isabela, que também é arquiteta paisagista. O modernista valorizou a flora nacional quando a onda vigente era copiar modelos europeus e traduziu a efervescência de um país muito criativo, livre e entusiasmado. Sua visão de jardim democrático, enfim, vai virar realidade.
Publicado em VEJA, agosto de 2024, edição VEJA Negócios nº 5