Há pouco mais de um mês, tratando da instabilidade institucional no país (“No País do Calvinbol”), mencionei rapidamente o trabalho de Daron Acemoglu, que, certamente não por coincidência, foi um dos agraciados com o Prêmio Nobel de Economia, anunciado no começo desta semana.
Embora seus artigos e livros (em particular, Por que as Nações Fracassam) sejam há muito referência constante para economistas preocupados com a questão do desenvolvimento, seu trabalho não foi suficientemente divulgado por aqui. Uma pena, porque muitas de suas lições parecem fazer sentido para entender nosso fraco desempenho em termos de crescimento ao longo das últimas quatro décadas e meia. Acemoglu chama a atenção para dois modelos essenciais de instituições econômicas e políticas (isto é, regras do jogo, formais ou não) que definem como os diferentes grupos sociais se apropriam do produto da economia.
Nessa tipologia básica, instituições podem ser “extrativas” ou “inclusivas”. No caso das primeiras, certos grupos se apropriam do produto tipicamente por ligações políticas com a elite governante. Pode parecer algo abstrato, mas falamos aqui de laços que rendem privilégios a esses grupos, por exemplo, limitações à concorrência internacional, acesso preferencial a fontes de crédito mais barato, ou ainda subsídios (explícitos ou implícitos), mecanismos através dos quais canalizam recursos da sociedade em benefício próprio, sem que, é bom que se diga, a breve lista acima esgote as inúmeras possibilidades de apropriação.
“Sob instituições inclusivas, a sociedade se beneficia das inovações e da produtividade”
Países em que essas instituições predominam tendem, no trabalho de Acemoglu (e dos dois outros premiados, Simon Johnson e James A. Robinson), a ter um desempenho pior do ponto de vista de crescimento, embora em suas fases iniciais possam até ter algum sucesso.
Isso decorre da estrutura de incentivos da sociedade. Nesse caso, a riqueza é acumulada por meio de transferências do resto da sociedade. Faltam, portanto, incentivos para a inovação, a chamada “destruição criativa”, na feliz expressão do economista Joseph Schumpeter, segundo quem a criação de novos produtos, processos e mercados traz lucros para os inovadores, mas também se materializa, por meio do crescimento persistente da produtividade, em ganhos para os demais membros da sociedade. Sem a “destruição criativa”, a expansão da produtividade não se sustenta e o crescimento rápido de longo prazo pode se tornar inviável.
Em contraste, sob instituições inclusivas, o acúmulo de riqueza se dá principalmente pelo efeito das inovações, como nos mostra agora o caso da Nvidia, ou como foram a Apple, ou o Google, para ficar em poucos exemplos. O conjunto da sociedade se beneficia, ao menos indiretamente, das inovações e do aumento da produtividade. Sociedades prósperas, portanto, são as que possibilitam a qualquer um de seus membros entrar nesse jogo sem pagar pedágios a grupos encastelados no poder; ao contrário, desafiando-os diretamente.
Não é necessário grande esforço para entender em que lado o Brasil está nessa tipologia, dados o papel do BNDES, a pesada intervenção na economia, as restrições ao comércio internacional e os subsídios abundantes. Nosso mau desempenho não é acidental; é intencional.
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2024, edição nº 2915