
Na sexta-feira 20 de junho, a Folha de S.Paulo publicou matéria notando que os gastos públicos no governo Lula cresceram quase o dobro da arrecadação. Não era exatamente novidade, como os leitores aqui podem atestar. Apesar disso, rápido no gatilho, o secretário de Política Econômica, Guilherme Mello, publicou dois dias depois tentativa desajeitada de resposta, que, na verdade, apenas reforça os pontos levantados pelo artigo original.
Atribui o aumento principalmente às despesas ligadas à PEC da Transição, que o permitiu. Isso apenas explicita a origem do crescimento, mas não o nega, mesmo porque não há como fingir que jamais ocorreu. Não menciona, a propósito, que o atual governo propôs e apoiou a PEC; é como se o lado direito do cérebro atribuísse a culpa ao esquerdo. Não satisfeito, insiste na conversa mole que o Novo Arcabouço Fiscal (NAF) funcionou e afirma que o governo reduziu a despesa entre 2023 e 2024 sem afetar o crescimento da economia. Não conta, claro, que a tal “redução” de gastos adveio da contabilização de cerca de 90 bilhões de reais como despesa (pagamento de precatórios) no último dia útil de 2023 e ainda se gaba de isso não ter efeitos recessivos em 2024, aparentemente esquecido de que os beneficiários dos pagamentos federais só poderiam gastar esse presente… em 2024!
“Os próprios técnicos do governo já admitiram que não é possível atingir a meta fiscal do ano”
Na mesma linha de mistificação afirma que “os resultados a partir da implementação do NAF têm surpreendido a maioria dos analistas”. Os problemas de memória mais uma vez o impedem de notar que a promessa original do NAF era ter o déficit zerado em 2024, superávit primário em 2025 e dívida estabilizada em 2026. Houve déficit em 2024, a última revisão orçamentária aponta para um ainda maior em 2025 e ninguém fala mais de estabilização da dívida em qualquer horizonte razoável. Se o NAF surpreendeu alguém, parece ter sido o próprio governo do qual o secretário faz parte. A propósito, enquanto Mello celebra a “surpresa” do NAF, a ministra do Planejamento e Orçamento alerta que “em 2027, seja quem for o próximo presidente da República, não governa com esse arcabouço fiscal, com essas regras fiscais, sem gerar inflação, dívida pública e detonar a economia”. É bem verdade que — apesar do título — ela mesma não fez, faz, ou fará qualquer esforço para planejar uma mudança no estado de coisas, mas temos que reconhecer que, ao menos, foi bem mais sincera que seu colega de governo. Diga-se, aliás, que os limites do NAF não aguardaram 2027. Como notado, os próprios técnicos do governo admitiram na revisão orçamentária do mês passado que não é possível atingir a meta fiscal (sem a exclusão contábil de algumas despesas o buraco fica na casa de 75 bilhões de reais, segundo números oficiais).
Todo o imbróglio envolvendo originalmente a majoração impensada do IOF e agora propostas de última hora para arrancar ainda mais impostos da sociedade nasceu precisamente do reconhecimento de que a trajetória de gastos e receitas não consegue entregar os resultados já em 2025, muito menos para estabilizar a dívida em prazo aceitável.
Seria mais proveitoso se o secretário dedicasse seu tempo a pensar em como corrigir o problema que ajudou a criar, em vez de tentar reescrever a realidade com artigos de jornal.
Publicado em VEJA de 27 de junho de 2025, edição nº 2950