
No conjunto das transações nacionais com o exterior, que inclui tanto a balança comercial quanto a de serviços, o déficit externo saltou de 24 bilhões de dólares — correspondentes a 1% do PIB — para 70 bilhões, ou 3,3% do PIB, do início de 2024 para o começo de 2025.
O nível do déficit propriamente dito não é inédito: observamos números ainda maiores em 2014, por exemplo, quando o déficit superou 110 bilhões de dólares, ou 4,5% do PIB. Contudo, a velocidade de aumento do desequilíbrio, superior a 2% do PIB em um ano, só encontra paralelos em dois outros momentos neste século: em meados de 2008 e no fim de 2010.
Em comum, esses três episódios foram marcados também pela aceleração da inflação, que em todos os casos se aproximou de um ritmo entre 6% e 7% ao ano no trimestre em que registramos o pico do déficit externo. Isso sugere que os fenômenos, inflação alta e déficit elevado, estão interligados e refletem a mesma causa: o excesso de demanda, isto é, uma situação em que o consumo supera a capacidade de produção da economia. De fato, estimativas do BC sugerem que a economia operava acima do potencial naqueles momentos, como ocorre hoje.
“O governo, por razões eleitorais, segue obcecado por medidas de estímulo ao consumo”
Dado o gargalo de produção, portanto, parte do excesso de demanda pressiona os preços domésticos, notadamente os serviços, cuja inflação supera o IPCA por larga margem. Outra parte se transforma em importações adicionais, o principal fator de piora das contas externas. Já a origem do excesso de demanda pode ser encontrada no comportamento das contas públicas, notadamente o avanço das despesas federais nos últimos dois anos. Já corrigido pela inflação, o gasto do governo federal cresceu cerca de 240 bilhões de reais no período, dos quais 180 bilhões, ou 75% do total, representam maiores transferências a famílias, incluindo aposentadorias e pensões, bem como os diversos programas sociais. Ao contrário do Auxílio Emergencial, durante a pandemia, que por construção seria, como foi, transitório, o aumento da despesa mais recente é permanente. Essa diferença de natureza do programa incentiva o aumento do consumo, que cresceu nada menos do que 8,2% nos dois últimos anos, ante expansão de 6,7% do PIB.
Assim, muito embora o aumento do dólar desde o primeiro trimestre do ano passado encareça as importações, o que poderia desestimulá-las, a expansão vigorosa da demanda interna mais do que compensou esse efeito. Dito de outra forma, não só a inflação mais alta, mas também a piora das contas externas resultam de uma política fiscal irresponsável. No futuro próximo, não há como escapar da conclusão de que a tendência recente vai continuar. O governo, essencialmente por razões político-eleitorais, segue obcecado por medidas de estímulo ao consumo (“fazer a economia girar”, nas palavras do presidente), como a criação do novo crédito consignado, mesmo contra o pano de fundo de uma economia cuja capacidade ociosa se esgotou há tempos.
A busca da manutenção de poder a qualquer custo tem consequências negativas tanto para a inflação quanto para a saúde das contas externas. Como, porém, para quem só tem martelo, tudo se parece com prego, a reorientação da política econômica no sentido da sustentabilidade segue como um evento improvável.
Publicado em VEJA de 4 de abril de 2025, edição nº 2938