Arquiteta do Acordo de Paris desafia a COP30: ‘A transição é irreversível, mas precisamos agir já’
Ex-embaixadora da França e uma das maiores autoridades em clima, ela atua como enviada especial da COP30 para aproximar Europa e Brasil
A economista e diplomata francesa Laurence Tubiana, uma das principais arquitetas do Acordo de Paris, desembarcou em Belém com uma missão dupla.
De um lado, funciona como ponte política da presidência brasileira da COP30 junto à Europa. De outro, tenta atuar como voz de equilíbrio em negociações marcadas por um impasse central: a disputa sobre o futuro dos combustíveis fósseis.
“Estamos vendo uma fragmentação que ameaça a própria lógica de Paris. Sem consenso sobre fósseis, ficamos travados”, disse à reportagem.
Tubiana é hoje CEO da European Climate Foundation (ECF) e foi a negociadora-chefe da França na COP21. Em Belém, exerce um papel informal, mas decisivo: ajudar o Brasil a costurar consenso em um cenário que ela descreve como “um choque entre duas visões de mundo”.
Fóssil vira ponto cego da COP30
Para Tubiana, o principal desafio de Belém é romper a tendência de esconder o tema dos combustíveis fósseis. A francesa afirma que uma parte dos países usa a indefinição como estratégia.
“Há quem prefira que o assunto nem entre no texto. E isso cria um bloqueio geral. Se não encararmos os fósseis, não há acordo possível.”
Segundo ela, não se trata de impor um cronograma universal, mas de evitar retrocessos e manter coerência com o que foi pactuado ao longo da última década.
“O Acordo de Paris não foi escrito para permitir que cada COP redefine o nível de ambição. Ele é um contrato de estabilidade. Se a discussão sobre fósseis volta à estaca zero a cada ano, perdemos o sentido de Paris.”
+ Colômbia assume protagonismo anti-petróleo na COP30, mas tropeça nas próprias vulnerabilidades
+ À beira do fracasso, presidente da COP30 reage a impasse: ‘Precisamos chegar a um acordo’
+ COP30 no fio da navalha: Artaxo expõe bloqueio central e afirma que Brasil pode fazer história
Arquiteta de Paris tenta resgatar método e clareza
A francesa vê a COP30 atravessada por um problema adicional: a forma de negociar. Para ela, a proliferação de fóruns paralelos e textos múltiplos dispersa a atenção e beneficia países que resistem ao debate sobre petróleo e gás.
“A metodologia atual permite que certos itens simplesmente desapareçam. E isso não pode acontecer com os fósseis.”
Tubiana relembra que, em 2015, a equipe francesa só avançou quando estabeleceu uma lógica simples: poucos textos, prioridades claras e pressão permanente para fechar arestas.
“O que funcionou em Paris não foi fazer todo mundo concordar em tudo. Foi colocar cada país diante de suas responsabilidades.”
Enviada especial busca recompor confiança com Europa
Convidada pelo Itamaraty, Tubiana tem conduzido conversas com ministros, comissários europeus e grandes fundações filantrópicas antes e durante a COP30. O objetivo é reconstruir confiança em torno da presidência brasileira, que enfrenta expectativas divergentes no debate sobre transição energética.
“Meu papel é abrir portas e reduzir ruído. A Europa precisa entender o que o Brasil quer entregar. E o Brasil precisa entender onde estão as linhas vermelhas dos europeus.”
Ela afirma que há espaço para convergência, desde que o texto final reconheça a necessidade de reduzir a dependência de fósseis sem impor “fórmulas importadas”.
“Se a política falhar, soluções perigosas vão ganhar espaço”
A arquiteta de Paris também expressa preocupação com a disseminação de ideias tecnológicas de alto risco, como geoengenharia solar, em um cenário de lentidão diplomática.
“Quando o sistema político perde credibilidade, surgem soluções radicais. Isso já está acontecendo. E as consequências podem ser irreversíveis.”
Tubiana argumenta que a COP30 precisa deixar claro que a ação climática permanece ancorada em diplomacia e regulação, não em experimentos globais de impacto incerto.
A função de “voz da razão” no meio do ruído
Ao circular entre plenárias, encontros fechados e salas técnicas, a francesa parece assumir uma função tácita: lembrar os negociadores do propósito original do regime climático.
“Não estamos aqui para escrever slogans novos. Estamos aqui para garantir que o contrato que fizemos em Paris continue funcionando.”
Tubiana insiste que a COP30 não deve buscar grandes anúncios, mas processos robustos, especialmente sobre adaptação e financiamento. Ainda assim, volta ao ponto que considera estrutural:
“Nada disso adiantará se continuarmos evitando o debate sobre fósseis. É aí que tudo emperra.”
China é “peça estratégica” e sinaliza que transição é irreversível
Tubiana afirma que a China terá papel decisivo em Belém. Em conversas recentes, ouviu que Pequim vê a transição como parte estrutural de sua política industrial.
“Eles mesmos me disseram que, desde Paris, mudaram a visão da própria economia. Consideram a transição irreversível”, afirmou.
Ela considera que essa postura pode ajudar a destravar trechos sensíveis do acordo final, desde que o texto não repita disputas anteriores entre países produtores e importadores de combustíveis fósseis.
Belém precisa enviar sinal ao mercado
Tubiana afirma que a COP30 será relevante se conseguir restaurar confiança nos instrumentos multilaterais e enviar um sinal para investidores.
“O Acordo de Paris é, sobretudo, um sinal para o mercado. Ele diz: este é o caminho, e isso funciona. Se a COP30 não reforçar esse sinal, perderemos tempo preciosíssimo.”
Para a francesa, Belém tem a particularidade de ocorrer na Amazônia, região que simboliza tanto o risco quanto a oportunidade da política climática.
“Estar aqui obriga todos a encarar a realidade. Não é uma COP abstrata. É uma COP ancorada num território que está no centro do problema.”
Um alerta para Belém: “O tempo político está se esgotando”
Para a francesa, a COP30 representa um momento de virada: se o mundo não conseguir estabilizar o rumo das negociações, o Acordo de Paris corre risco de erosão lenta.
“O tempo político está se esgotando. Ou damos clareza agora, ou perderemos uma década discutindo o básico.”
Ela diz que a COP na Amazônia tem a chance de enviar uma mensagem de coerência, desde que não ceda à tentação do “consenso vazio”.
“O mundo está olhando para Belém. É hora de mostrar que ainda sabemos cooperar. E cooperar exige enfrentar os fósseis.”
MPF denuncia caminhoneiros que bloquearam principal rodovia do país para pedir golpe
Regina Duarte derruba audiência da Globo com reprise de ‘Rainha da Sucata’
O que diz a primeira pesquisa presidencial após a prisão de Bolsonaro
A reação de Damares à ordem para Bolsonaro cumprir a pena na sede da PF
Primo de Maria Fernanda Cândido é destaque em concurso que revelou Gisele







