Amazônia produtiva: o modelo de Carajás, no Pará, para unir floresta e desenvolvimento
Projetos de agrofloresta e recuperação conciliam conservação e geração de renda em uma das regiões mais pressionadas da Amazônia
A cada nova atualização das imagens de satélite, o Pará perde um pouco mais do seu verde. O desmatamento avança em todas as direções, abrindo clareiras, queimadas e pastos onde antes havia floresta densa. No sudeste do estado, porém, uma mancha resiste intacta — uma ilha de vegetação contínua que desafia a lógica da devastação. É a Floresta Nacional de Carajás, uma reserva de 800 mil hectares, o equivalente a sete vezes o tamanho de Belém e cinco vezes a área da cidade de São Paulo.
Espremida entre Parauapebas, Canaã dos Carajás e Curionópolis, a floresta abriga cerca de mil espécies de fauna e flora, 22 000 nascentes e um conjunto raro de formações rupestres e cavernas de ferro. Sob o dossel úmido, vivem habitantes em comunidades tradicionais e 4000 funcionários da Vale, incluindo pesquisadores que monitoram um dos ecossistemas mais preservados da Amazônia.
A enorme floresta é mantida pela Vale como parte de um modelo de compensação ambiental que tenta equilibrar exploração mineral e conservação. A empresa, que ocupa apenas 3% da área total, extrai ali o minério de ferro mais puro do planeta — 186 milhões de toneladas em 2024, das quais 60% seguiram para a China — e financia as ações de manejo e proteção do entorno.
Sob a supervisão do ICMBio, ela reúne o maior mapeamento genômico do Brasil, com 80 genomas de fauna e flora catalogados, e abriga trilhas de pesquisa, viveiros de mudas e estações de monitoramento que acompanham espécies ameaçadas. A floresta se tornou um laboratório vivo de convivência entre mineração e natureza, um experimento que tenta provar que é possível extrair riqueza do subsolo sem destruir o que está sobre ele.
“O sudeste do Pará é uma região de transição, estando muito próximo ao Cerrado. Aqui, espécies da Amazônia e do Cerrado se misturam, criando um dos ecossistemas mais importantes do país”, diz Lourival Tyski, analista de meio ambiente da Vale. Paranaense, ele trocou o estado natal pela Amazônia há quase duas décadas.
A reportagem visitou o local como parte da Expedição VEJA, que está rodando o Brasil para conhecer projetos inovadores de sustentabilidade e destacar temas relacionados à agenda da COP30, a Conferência do Clima da ONU que acontecerá em novembro em Belém, no Pará.
A poucos quilômetros da entrada principal da Floresta Nacional de Carajás, o Bioparque Vale Amazônia funciona como um elo entre a floresta e a sociedade. Criado em 1985, o centro abriga cerca de 270 espécies de animais, entre elas onças-pintadas e suçuaranas, símbolos da fauna local.
Nenhum desses animais é capturado no ambiente natural: todos são resgatados de situações de risco, vítimas de tráfico, atropelamentos ou posse ilegal e encontram no Bioparque um espaço de recuperação e reabilitação antes de retornarem à natureza. O trabalho envolve veterinários, biólogos e tratadores que acompanham cada indivíduo até que esteja apto a viver novamente em liberdade.
Além do cuidado direto com a fauna, o Bioparque mantém laboratórios e programas de pesquisa sobre adaptação de espécies, restauração de áreas degradadas e sequestro de carbono, em parceria com universidades e institutos científicos. Com mais de 100 mil visitantes por ano, o espaço tornou-se referência em educação ambiental e inovação científica.
“A diversidade do Bioparque reflete a complexidade biológica da própria floresta que o cerca. São centenas de espécies que compõem um retrato detalhado da fauna amazônica”, diz Neriston Camargo, veterinário responsável pelo parque.
Muitos desses animais chegaram ao Bioparque após operações de resgate do Ibama ou denúncias de tráfico e passam por processos longos de readaptação antes de serem reinseridos na floresta. Outros permanecem sob cuidados permanentes, transformando-se em embaixadores de suas espécies nos programas de educação ambiental”, prossegue Neriston.
O trabalho inclui também o monitoramento genético da fauna local, o registro de padrões migratórios e a criação de bancos de dados que alimentam pesquisas sobre conservação de ecossistemas tropicais.
Os dados coletados em campo alimentam programas de reflorestamento e monitoramento da biodiversidade, ampliando o conhecimento sobre espécies endêmicas e ameaçadas. Um dos focos é compreender como a floresta se regenera após distúrbios e como espécies-chave, como a onça-pintada e o tatu-canastra, ajudam a manter o equilíbrio ecológico.
Esse trabalho de pesquisa, que alia ciência e conservação, faz da Floresta Nacional de Carajás uma referência em manejo sustentável. No entorno, as descobertas se refletem em ações de educação ambiental e economia verde, fortalecendo comunidades e preparando novas gerações para conviver com, e não contra, a floresta.
Desde 2017, a Floresta Nacional de Carajás vem passando por um processo de reconexão ecológica entre áreas antes degradadas, impulsionado por uma parceria entre a Vale e o ICMBio. A meta é refazer a ligação entre fragmentos de mata nativa, formando corredores ecológicos capazes de permitir o fluxo de espécies e a recuperação de funções naturais da floresta.
As ações de reflorestamento se concentram em fazendas adquiridas pela mineradora no entorno do chamado Mosaico de Carajás, região que abrange unidades de conservação e o complexo minerário da Serra Sul, em Canaã dos Carajás.
Nessas áreas, a empresa promove o plantio de espécies amazônicas, como castanheira e axixá, combinando técnicas de restauração florestal com a criação de ambientes que favorecem o retorno da fauna. O objetivo é acelerar a regeneração da vegetação e restabelecer a paisagem original.
Segundo dados da Vale, quase um milhão de mudas já foram plantadas em uma área superior a 5 000 hectares. Monitoramentos apontam o reaparecimento de diversas espécies, incluindo felinos como a onça-pintada, sinal de que o ecossistema começa a se equilibrar novamente.
As iniciativas integram a meta da companhia de restaurar 100 000 hectares até 2030 e formam, pouco a pouco, um corredor verde que amplia as zonas de proteção no sudeste do Pará.
Para inverter o ciclo de destruição, a companhia passou a investir em projetos produtivos sustentáveis, voltados à agricultura regenerativa, ao manejo de espécies nativas e ao empreendedorismo de base comunitária. A ideia é simples, mas ambiciosa: mostrar que conservar a floresta pode ser tão rentável quanto destruí-la.
É o que se vê, por exemplo, na Belterra Agroflorestas, projeto que recupera áreas degradadas e treina agricultores familiares em sistemas agroflorestais, consórcios produtivos que misturam árvores, frutas e hortaliças, devolvendo vida ao solo e renda às famílias.
“Nosso trabalho é provar que é possível produzir e conservar ao mesmo tempo. Quando o agricultor vê que a floresta em pé gera renda, ele muda de postura e passa a ser parte da solução, não do problema”, diz Victor Pires, encarregado de campo da Belterra.
Outro exemplo vem de Canaã dos Carajás, onde a Dinam aposta na produção sustentável de pimenta-do-reino, um dos produtos agrícolas mais emblemáticos da Amazônia. Com o apoio técnico da Vale, a empresa investe em pesquisa e capacitação para reduzir o uso de agrotóxicos, otimizar o consumo de água e valorizar o pequeno produtor.
O resultado é um modelo de negócio que alia inovação, sustentabilidade e impacto social, fortalecendo cadeias locais e evitando o avanço de práticas predatórias. Ao fomentar iniciativas como essas, a Vale tenta redesenhar o tecido econômico do sudeste do Pará: transformar a floresta de obstáculo em ativo produtivo e seus moradores em aliados da conservação.
A floresta, antes vista como fronteira a ser derrubada, passa a ser reconhecida como fonte de prosperidade — viva, em pé e produtiva.
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