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A má gestão da saúde pública

Episódios recentes de acusações aos médicos brasileiros desviam a atenção sobre a precariedade da saúde pública no país

Por Carlos Vital Tavares Corrêa Lima*
Atualizado em 16 ago 2017, 14h40 - Publicado em 16 ago 2017, 14h39

Três recentes episódios de injustas acusações aos médicos brasileiros foram registrados pela mídia, com forte impacto no seio da classe e grande repercussão na sociedade, por terem como protagonista o ministro da Saúde, Ricardo Barros, engenheiro e deputado federal filiado ao Partido Progressista (PP).

O ministro anunciou nos estados do Paraná, Acre e no Distrito Federal o controle por biometria nos postos de saúde da rede pública de todo o país na intenção de uma maior produtividade dos médicos. Cometeu um erro imperdoável em seus discursos ao dar destaque a uma frase polêmica: “Vamos parar de fingir que pagamos os médicos e os médicos têm que parar de fingir que trabalham”.

Diante de críticas à inconsistência de seus discursos, transformou os jornalistas em bodes expiatórios, acusando-os de distorcer o sentido de sua frase, por colocá-la fora de contexto, esquecendo-se que a expressou por três vezes e que os seus termos assertivos são de interpretação filológica ou gramatical.

Maquiavel classificou os homens em três tipos: aqueles que conseguem compreender por si só; os que só conseguem entender os que os outros compreenderam; e aqueles que não conseguem compreender por si só e não conseguem entender o que os outros compreenderam. O ministro não se enquadra nestas duas últimas categorias. Elabora as suas mensagens com plena compreensão do que transmitem.

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Portanto, trata-se aqui de uma frase de efeito que desvia a atenção sobre a precariedade da saúde pública, onde falta tudo ou quase tudo e ocorre com frequência a designação aos médicos da representação não autorizada do Criador nas “escolhas de Sofia” – as mesmas escolhas entre os náufragos daquele que ocupará o último lugar disponível no escaler da vida.

As mortes evitáveis e as sequelas irreversíveis de milhares de brasileiros, por falta de condições de trabalho ao médico, têm sido escondidas com a cumplicidade do silêncio ou de polêmicas impertinentes, que impedem a nítida visão da incompetência administrativa do Sistema Único de Saúde (SUS).

Na linha das explicações desprovidas de razão, com simples análise de números, o ministro apresentou dados do Banco Mundial como alicerce para os seus argumentos de que o número de consultas por médico no Brasil é 1,5 vezes menor do que a média dos países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), olvidando-se que os dados foram retirados do exercício da medicina em condições ideais de trabalho.

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Na maioria das nações que integram a OCDE (como Inglaterra, Portugal e França), os médicos têm excelentes carreiras nacionais e os cargos da gestão de serviços e programas de saúde não são de livre provimento dos políticos de plantão. Por isso, não são utilizados para satisfação de interesses pessoais ou eleitorais, em detrimento da proficiência administrativa.

Em geral, no âmbito dos países membros da OCDE, os médicos têm o que falta em muitos postos de saúde brasileiros: cadeiras, macas, toalhas e pias para lavagem das mãos, banheiros para deficientes físicos, salas para esterilização de materiais e expurgo de lixo, equipamentos, medicamentos e insumos imprescindíveis aos atendimentos. Considerando essas carências pode-se concluir pela maior produtividade dos médicos brasileiros.

Ainda, em meio aos conflitos gerados pelas gratuitas provocações aos médicos, tem sido divulgada por Ricardo Barros a economia de R$ 3,5 bilhões em sua gestão ministerial, sem mencionar que de uma dotação orçamentária de R$ 121 bilhões o Ministério da Saúde (MS), no ano passado, deixou de aplicar R$ 6 bilhões, dos quais R$ 2 bilhões destinavam-se aos investimentos e o restante ao custeio.

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Os problemas do SUS são crônicos e não serão resolvidos com propostas casuísticas. As suas soluções exigem: política de saúde como política de Estado, competência gerencial, planos de cargos e salários em carreiras estruturadas e compartilhadas pelo Poder Executivo, recursos humanos valorizados, melhor orçamento, sistema de controle e avaliação rigoroso, descentralização regional, auditoria social independente e capacitada.

A reforma tributária, entre outras relevâncias, tem papel preponderante nas adequações do SUS!

Na vigência da Carta Magna de 1988, a União concentrou em seus cofres a maior parte da carga tributária e reduziu os seus encargos. Os demais entes federativos (Estados e Municípios) estão mais onerados, empobrecidos, endividados e subservientes ao Planalto Central.

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As caravanas de governadores, prefeitos, secretários estaduais e municipais de saúde à Esplanada dos Ministérios são notícias rotineiras. De pires na mão, as autoridades agradecem ínfimos percentuais do que deveriam receber por direito.

Assim, o país encontra-se com um Pacto Federativo utópico e mais vulnerável às alianças político-partidárias feitas de modo argentário e às ações corporativas predatórias do bem comum.

Na persistência desse cenário de violências, desvios do erário, humilhações e desassistência à saúde pública por omissão do Estado, a classe médica, mais uma vez, unida aos interesses da imensa maioria da população brasileira, que defende o SUS, voltou às ruas no dia 3 de agosto, em um movimento de protesto popular denominado “Fora Barros”. Na defesa da saúde, a causa pública mais essencial e reivindicada, de modo coerente ao exercício de cidadania, no mais elevado patamar da consciência, repudiando a inércia das autoridades sanitárias e o descaso com a dignidade humana.

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Apesar das nossas relações sociais contemporâneas, que fazem lembrar as históricas narrativas do período de interregno da antiga Roma e dos estigmas jogados contra os médicos, os seus compromissos vocacionais, sustentados com angústias, sofrimentos e depressões, são afirmados pelo povo em pesquisas de opinião pública.

No final do ano de 2016, em pesquisa do Instituto Datafolha, os médicos brasileiros continuaram no topo do “ranking” das classes profissionais com mais crédito ou de maior confiança perante a população. Por sua vez, com honrosas exceções, a classe a qual pertence o ministro da Saúde, a dos políticos, ficou situada, infelizmente, no último lugar.

(*) Carlos Vital Tavares Corrêa Lima é presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM)

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