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Chegará a hora

Coluna publicada em VEJA de 27 de setembro de 2017, edição nº 2549

Por J.R. Guzzo
Atualizado em 22 set 2017, 06h00 - Publicado em 22 set 2017, 06h00

 

UM GENERAL da ativa, membro do Alto-Comando do Exército e ligado aos serviços de informação, disse alguns dias atrás, fardado, que “ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos de impor isso”. Nós quem? Pelo conjunto das palavras do general, esse “nós” é exatamente quem você está pensando: o Exército brasileiro. Depois de esclarecer que não há uma fórmula pronta, como numa receita de bolo, para definir a hora de executar a intervenção mencionada acima, mas que o Alto-­Comando tem “planejamentos muito benfeitos” para esse objetivo, ele confirmou que os militares não vão ficar assistindo em paz ao apodrecimento simultâneo do Executivo, Legislativo e Judiciário, por causa da corrupção, deboche e impunidade de uma vida pública cada vez mais depravada. “Os poderes terão de buscar a solução. Se não conseguirem, chegará a hora em que nós teremos de impor uma solução. E essa imposição não será fácil. Ela trará problemas, podem ter certeza disso aí.”

Está bom assim ou precisa mais? Havia mais de trinta anos, seguramente, não se ouvia um oficial superior dizer nada parecido, nem de longe, sobre as misérias da política brasileira e a possibilidade de “chamar a tropa” para resolver as coisas. Se isso não é um obus de 155 milímetros, o que seria então?

É bom lembrar que o general, no caso, não ficou por aí. Fez questão de deixar claro que a intervenção militar não está na família do “talvez” — nem utilizou, como fazem os jornalistas quando não sabem o que está acontecendo, truques do tipo “trabalha-se com o cenário”, “não se exclui a hipótese” e outras tapeações. Disse o seguinte: “Se tiver de haver, haverá”. Disse que a sua geração não esquece os ataques que o Exército recebeu, “de forma covarde” e “não coerente com os fatos”, por ter tentado “fazer o melhor no período de 64 a 85”. Disse que o compromisso dos militares é com o país, e que eles não estão preocupados com índices de popularidade nos institutos de pesquisa — não se importam de ser aplaudidos. Disse mais um monte, incluindo-se aí a opinião de que a sociedade brasileira é “carente de coesão cívica” e só se organiza, “mal e porcamente”, para torcer pela seleção.

A esquerda deveria assinar um manifesto de apoio ao general?

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Ninguém tinha ouvido, dias inteiros depois das declarações do general, nenhum dos colossos da nossa vida pública dar um pio a respeito do assunto — nem os ministros do Supremo, que passam dia e noite baixando bulas de excomunhão contra o mundo em geral e entre si próprios, foram capazes de abrir a boca. Houve silêncio quase completo, também, por parte dos comunicadores, influencers, lideranças populares, intelectuais de grande porte, formadores de opinião, e por aí afora. Sempre é mais fácil gritar “Fora, Temer” do que “Fora, general” — ou escrever editoriais, cheios de indignação e fúria cívicas, exigindo a demissão do ministro do Turismo, punições para soldados da PM e mais honestidade por parte do centroavante Jô quando faz gols com o braço. Fica de pé, porém, o fato de que o general falou, e não poderia ter falado — é uma das 113 transgressões previstas no Regulamento Disciplinar do Exército. É certo que não foi um discurso oficial na parada do Sete de Setembro, mas também não foi uma conversa particular numa festa de batizado: o general falou numa loja de maçonaria em Brasília, e isso torna as suas palavras públicas. Parece claro, além do mais, que não se tratou de um repente; não costuma haver repentes no Exército, uma organização em que a disciplina é tudo e oficiais-generais não saem por aí dizendo a primeira coisa que lhes dá na cabeça, sem conversar com ninguém antes. Mas não houve nenhuma punição para ele. O que fazer?

É um problema e tanto. Como ficamos, para começar, com o “Fora, Temer”? Está mais ou menos na cara, salvo um imenso esforço de imaginação em contrário, que o presidente da República pode ser um desses “elementos envolvidos em todos os ilícitos” que foram mencionados lá no começo. E aí? A esquerda deveria assinar um manifesto de apoio ao general? Outra complicação é que mais ou menos 99% dos brasileiros concordam plenamente com o que o homem disse. Alguém discorda, por exemplo, de que os políticos “loteiam tudo” quando estão no governo, ou de que querem “fabricar dinheiro”? O comandante do Exército deu o caso por superado. Tudo bem. Mas isso não faz com que os militares pensem o contrário do que estão pensando — e o mundo político do Brasil nunca se esforçou tanto para convencê-los de que estão certos.

Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2017, edição nº 2549

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