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Eles têm medo do Uber

Protestos de taxistas e a pressão de governos contra o aplicativo refletem a resistência histórica que inovações sofrem ao entrar no mercado

Por Raquel Beer Atualizado em 24 Maio 2016, 16h10 - Publicado em 11 abr 2015, 13h44

No Brasil, o cenário não tem sido em nada favorável ao Uber, popular e requisitado aplicativo produzido por uma startup americana de mesmo nome. Desde 2009, quando foi lançado, o app – cujo valor de mercado passa dos 45 bilhões de dólares – ganhou oposição ferrenha de dois rivais: taxistas e governos, cujos comandantes costumam se guiar por métodos ultrapassados. A oposição protestou contra o Uber em praticamente todas as 295 cidades, em 55 países, em que o serviço opera, via smartphones e tablets. Por que tamanha rixa? Taxistas veem o risco de serem substituídos pelos motoristas da startup, que fornece um meio de transporte privado mais eficiente, seguro e confiável. Já prefeituras e Estados se sentem compelidos a responder às queixas dos sindicatos de taxistas e, muitas vezes por pura preguiça (outras, por receio de mexer no status quo), acabam por forçar o Uber em direção à ilegalidade. A alegação costuma ser de que o app não está adequado à legislação. Na semana passada essa briga esquentou, com a eclosão de manifestações de taxistas em todas as cidades brasileiras em que há operação do aplicativo: Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Na capital paulista, 2 500 profissionais engrossaram uma turba em frente ao Estádio do Pacaembu, e depois rumaram para a Câmara Municipal.

O movimento, incentivado por sindicatos e cooperativas, despertou atenção do poder público. A prefeitura optou por uma resposta simplista ao dizer que o app é ilegal, pois não teria embasamento na legislação. Pela lei brasileira, a atividade de transporte individual remunerado de passageiros só pode ser realizada por taxistas. O governo municipal, então, acusou o Uber de prover táxis clandestinos. A pressão já vinha ocorrendo desde 2014, quando o app estreou no Brasil. Em agosto, três motoristas foram multados por usarem o programa. Desde o início deste ano, a situação se agravou e as multas se multiplicaram por seis.

O Uber, por sua vez, defende-se dizendo que não é uma empresa de taxi. E não é, mesmo. A startup apenas desenvolveu uma tecnologia capaz de ligar motoristas particulares a seus clientes. Segundo o porta-voz da startup no Brasil, Fabio Sabba, “a diferença essencial entre o Uber e as cooperativas é que motoristas parceiros não ficam procurando passageiros pelas ruas, ou esperando em pontos; eles precisam ser, necessariamente, acionados pelo celular dos passageiros”. Para pegar um táxi na rua, é só preciso ter dinheiro; para chamar um motorista do Uber, tem de instalar o app no smartphone, se cadastrar e requisitar o transporte.

Trata-se de um modelo inovador. Porém, como é com toda nova tecnologia, ou recurso, que surge, a legislação não estava preparada para ela. “É preciso considerar que antes do Uber simplesmente não havia o Uber. Nada mais natural que não exista uma regulamentação sobre, já que a problemática não existia”, disse Sabba. A startup, que recentemente abriu escritório no Brasil, afirma estar aberta a negociar com todas as esferas públicas para se adequar a leis ou, o que seria sensato, pensar em normas que adequem o app à realidade brasileira – o mesmo caminho que foi tomado, por exemplo, nos Estados Unidos. O problema é se resolverem proibir o negócio só por ele ser inovador e, por isso, o governo não saber lidar com ele.

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No mundo, o app do Uber faz a ponte com três tipos de transporte. O mais básico, e barato, é o serviço de caronas pagas. Há ainda o modelo de motoristas profissionais e um, bem mais caro, que fornece SUVs. No Brasil o único a operar é o intermediário, dos profissionais. Por ele, quando o passageiro solicita o carro vê no mesmo momento uma foto do motorista, com seu perfil completo (incluindo a nota dada por outros clientes; na escala de zero a cinco, só são mantidos os que têm média acima de 4,7) e sua localização no Google Maps, ou em outro GPS. Antes de aceitar um novo parceiro, a startup chega a levantar seu histórico criminal e depois cadastra seus dados. Mesmo após ser aceito, o motorista pode ser eliminado a qualquer momento se houverem deslizes apontados por clientes.

No Brasil, todos os carros utilizados foram fabricados a partir de 2010 e têm o perfil que o Uber define como executivo (na frota são usados modelos como Corolla, Azira e Sonata). O motorista normalmente veste terno, abre a porta para o passageiro, lhe oferece agrados como água, revistas e salgadinhos e deixa o ar-condicionado ligado e ajustado à preferência, sem reclamações. Após a corrida, o trajeto percorrido é enviado ao passageiro e o pagamento é feito automaticamente, via cartão de crédito. Como tudo é registrado instantaneamente e o valor do trajeto é definido de acordo com a rota estabelecida no Google Maps, é difícil enganar o cliente com caminhos maiores do que deveriam ser. Ou seja, o serviço, em média 5% mais caro que uma corrida igual de táxi, é muito superior a outras formas de transporte público.

É por sua qualidade que a novidade espanta taxistas. Calcula-se que o Uber faz com que táxis percam em média 1 000 trabalhos diários em São Paulo. Só na semana passada, o ritmo de downloads do programa aumentou 400% na cidade paulista. O sucesso é reflexo de que o consumidor prefere o Uber à velha alternativa.

Mesmo assim, correm atrás de proibi-lo, sem se importar que isso significaria prejudicar os milhões de clientes, em benefício de uma categoria bem específica, a dos taxistas. A manobra tenta imitar o que ocorreu em países como Espanha e Alemanha, que também tiveram dificuldade em receber a inovação e seguiram o fácil caminho de jogá-la na ilegalidade.

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O pesadelo do Uber, porém, é apenas mais um exemplo da resistência cultural e burocrática que inovações tecnológicas enfrentam. Quando surgiu o primeiro carro, na França de 1771, obviamente não existiam semáforos, limites de velocidade, faixas de pedestres, qualquer lei de trânsito. A solução foi proibi-los e evitar a substituição de carroças? É claro que não.

Pelo mesmo problema passaram os livros digitais. Ao aparecerem, na década de 90, eles sofreram protestos alimentados por editoras de livros impressos. Na Europa, foram tentadas manobras para dificultar a chegada dos e-books. No fim, perceberam o quanto a inovação era vantajosa para quem mais importa, os leitores, e as leis tiverem de se adequar à novidade. Houve ainda uma consequência inesperada. O sucesso de livros digitais agora ajuda a alavancar também a venda dos modelos físicos – nos Estados Unidos, o comércio das versões impressas aumentou quase 3% no ano passado.

A grande maioria das inovações passa por períodos de resistência, da indústria que era (ridiculamente, para quem tem a vantagem da distância temporal) acusada de roubar trabalhadores do campo e prejudicar a vida deles durante a Revolução Industrial, à internet e o Netflix. Mas quando a tecnologia se revela disruptora, útil a todos e com poder de transformar a civilização, o mundo se vê obrigado a se adaptar a ela.

É claro que regulamentar é necessário, mas é fundamental se desprender de regras e mentes arcaicas na hora de construir novas leis para algo também completamente novo. Foi assim com fábricas, com a prensa de Gutenberg, com carros, com a TV, com a internet, com o Netflix… e, protestem ou não, deverá ser com o modelo de transporte urbano inaugurado com o Uber.

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