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Mau, não. Péssimo negócio

Graça Foster reconheceu que Pasadena foi um erro e que o dinheiro gasto não será recuperado. Mas isso só reforçou na oposição o ímpeto de conseguir a instauração de uma CPI da Petrobras

Por Ana Clara Costa, de Pasadena
18 abr 2014, 11h34

A presidente da Petrobras, Graça Foster, e o ex-diretor da área internacional Nestor Cerveró foram ao Congresso prestar esclarecimentos sobre a contestada compra da refinaria de Pasadena (PRSI) no Texas – foco de uma virtual CPI. Antes da sabatina, eles se encontraram para alinhar o discurso. Graça alertou Cerveró de que nenhuma afirmação que aumentasse a crise seria tolerada. A estratégia era apresentar o caso tão somente como um investimento fracassado – nada mais que isso. Sabatinada por seis horas na terça-feira, a executiva seguiu à risca esse roteiro. Reconheceu que a compra “não foi um bom negócio”. Mais ainda, afirmou que não há chance de que o dinheiro despejado na refinaria seja recuperado.

Quando chegou seu dia de falar, Cerveró reafirmou que em 2006, quando a compra de uma participação de 50% em Pasadena foi decidida, o negócio estava em consonância com a estratégia de internacionalização da Petrobras. Corroborou aquilo que Dilma Rousseff afirmara um mês antes: as cláusulas que obrigaram a Petrobras a comprar a parte da belga Astra Oil no empreendimento, elevando o valor total do negócio a 1,25 bilhão de dólares, não constavam do resumo executivo apresentado ao conselho de administração, que ela presidia à época. Anteriormente, Cerveró havia dito que o conselho dispunha de todas as informações necessárias – daí o alerta de Graça. Desta vez, baixou o tom. “Não tive a intenção de enganar Dilma”, disse ele, acrescentando que não mencionou as cláusulas por julgar que elas “não eram relevantes”. Ao fim de cinco horas, os governistas se apressaram em dizer que os esclarecimentos eram suficientes. O fato, porém, é que o discurso alinhado de Graça e Cerveró não bastou para afastar da oposição o objetivo de que se faça uma investigação aprofundada. Há outros esqueletos no armário da Petrobras: as refinarias Abreu e Lima, em Pernambuco, e de San Lorenzo, na Argentina, estão igualmente cercadas por dúvidas. Quem conhece de perto a questão diz que, se Pasadena foi um mau negócio, Abreu e Lima é um negócio da China.

Cidades com refinarias não são lugares aprazíveis. Pasadena, onde estão instaladas dezenas de plantas, não se desvia um milímetro dessa regra. Seu apelido é Stinkadena – um trocadilho com a palavra inglesa que significa “fedor” – e, por causa das emissões de gases, o céu tem uma permanente coloração cinzenta. Para minimizarem o ônus de viver em um lugar assim, autoridades e moradores fazem pressão constante sobre as refinarias, apontando aquelas que se qualificam como boas e más “corporações-cidadãs”. A PRSI é hoje a ovelha negra entre as empresas locais. “É a pior refinaria da região em todos os sentidos”, afirma Rock Owens, procurador do condado. Segundo a agência de proteção ambiental do governo americano, a refinaria teve o maior número de violações ambientais graves nos últimos cinco anos em Pasadena. Em 2013, do total de 1,8 milhão de dólares em penalidades aplicadas no Texas, a maior fatia coube a ela: 757.000 dólares. “O estado é leniente em relação às políticas ambientais. Mesmo assim, ela conseguiu levar a multa”, diz Owens.

O estado de conservação da refinaria é a origem de todos esses problemas. A planta foi construída em 1920, pela Crown Central Petroleum, e não passou por nenhuma grande modernização nos últimos cinquenta anos. Para todos que navegam pelo Houston Ship Channel, a principal via de escoamento dos derivados de petróleo produzidos na região, o cartão de visita da PRSI é uma instalação queimada, caindo aos pedaços. Trata-se de uma estrutura que explodiu em 2011. Os escombros nunca foram removidos. (Clique para continuar lendo o texto)

Vídeo mostra instalações deterioradas da refinaria

Como em qual­quer indústria, quanto mais antigas as instalações, mais cara é a manutenção e maior o seu passivo ambiental – um fator importante em Pasadena, uma vez que a legislação do Texas exige que qualquer reforma contemple também o tratamento do solo, da água e dos resíduos produzidos pelas obras. Recentemente, a petroleira americana Chevron anunciou que gastará 1 bilhão de dólares na modernização de sua planta em Richmond, no Estado da Califórnia. Tr­ata-se de uma das maiores e mais antigas refinarias dos Estados Unidos. Mas, ao contrário de Pasadena, reformas no local são empreendidas há décadas e o plano de engenharia vem sendo discutido abertamente com os acionistas e os moradores. Estimativas em poder da Petrobras indicam que a modernização de Pasadena custaria ao menos 1,5 bilhão de dólares. Segundo o procurador Rock Owens, o valor é maior. “Acredito que apenas para lidar com o passivo ambiental seja preciso desembolsar cerca de 1 bilhão de dólares”, diz.

Isso explica por que Graça Foster afirmou ao Senado que dificilmente o dinheiro já gasto em Pasadena será recuperado. Pelas contas apresentadas por ela, o montante é hoje de quase 1,9 bilhão de dólares. Nele estão inclusos os 360 milhões de dólares gastos em 2006 na compra de 50% da PRSI, os 820,5 milhões de dólares pagos em 2012, quando a petroleira brasileira teve de adquirir a fatia da sócia, por causa das cláusulas contratuais omitidas por Cerveró do resumo executivo, e os 685 milhões de dólares investidos na planta em oito anos – que serviram apenas para deixar a refinaria no estado em que está. Graça comemorou o fato de que neste ano Pasadena vem operando com capacidade plena, ou seja, produzindo 100.000 barris por dia. Até o final de 2013, a capacidade máxima de produção nunca havia sido atingida: nos melhores meses, chegava a 85.000 barris por dia. Está implícito no discurso de Graça, contudo, que isso não basta – e que os bilhões extras necessários para a modernização não estão nos planos da estatal. Restaria a opção de vender a refinaria. Graça disse que não pretende se desfazer de um ativo que está sob investigação.

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A oposição continua firme na convicção de que existem elementos suficientes para justificar a criação de uma CPI que lance luz sobre as engrenagens que acarretaram prejuízos à Petrobras, a seus acionistas minoritários e ao Brasil. A briga judicial entre a Petrobras e a Astra em torno de Pasadena é rica em detalhes que revelam a mentalidade dos diretores da empresa brasileira em anos recentes. Um e-mail enviado em 2006 pelo executivo Terry Hammer a seus colegas da companhia belga atesta: “Como Alberto (Feilhaber, ex-funcionário da estatal e então diretor da Astra) disse tantas vezes, a Petrobras não tem nenhum problema em gastar dinheiro”. Há uma ligação direta entre esse estilo de gestão e a maneira como as diretorias da Petrobras passaram a ser ocupadas desde a chegada do PT ao poder. Nesses anos, o governo tratou a empresa, acima de tudo, como ferramenta política. Se aliados estão rebelados, loteiam-se os cargos da Petrobras entre os partidos. É esse tipo de engrenagem que produz desvios de recursos e prisões como a do ex-diretor Paulo Roberto Costa. É esse tipo de engrenagem que, talvez, só uma CPI seria capaz de expor e desmontar.

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