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Crise ameaça bem-estar social europeu

Por Da Redação
22 Maio 2010, 23h01

The New York Times

Em toda a Europa Ocidental, o estilo de vida está em xeque. A crise do euro também tem prejudicado a sustentabilidade do padrão europeu de bem-estar social. Os europeus sempre se vangloriaram de seu modelo social, com férias generosas e aposentadorias precoces, dos sistemas de saúde pública e dos extensivos benefícios de seu modelo de bem-estar, em contraste com a dureza do capitalismo americano.

Os europeus se beneficiaram dos gastos militares baixos, sob a proteção da OTAN e do guarda-chuva nuclear americano. Eles também transformaram impostos altos em uma rede de proteção que vai do berço à sepultura. �A Europa que protege� é um lema da União Europeia. Mas todos os governos da Europa com grandes orçamentos, receitas fiscais em queda e envelhecimento da população enfrentam o aumento do déficit – e outras notícias ruins adiante.

Com baixo crescimento, ínfimas taxas de natalidade e uma expectativa de vida cada vez maior, a Europa não poderá manter seu estilo de vida confortável por muito tempo, especialmente sem um período de austeridade e mudanças significativas. Os países estão tentando tranquilizar os investidores cortando salários, aumentando a idade da aposentadoria, ampliando as jornadas de trabalho e reduzindo pensões e benefícios na área da saúde.

�Estamos em modo de recuperação�, disse o ex-primeiro-ministro e atual ministro das Relações Exteriores da Suécia, Carl Bildt. �Mas teremos de fazer a transição para o modo de reforma em breve. O déficit de reformas é o problema real�, disse, apontando para a necessidade de mudanças estruturais. A reação aos esforços dos governos para cortar gastos têm sido de pessimismo e raiva, com um entendimento de que o sistema atual é insustentável.

Em Atenas, Aris Iordanidis, 25 anos, um economista que trabalha numa livraria, ressente-se de pagar impostos elevados para financiar um estado inchado. �Eles ficam lá por anos, tomando café e conversando ao telefone e depois se aposentam aos 50 anos com salários gordos�, disse ele. �Quanto a nós, pela forma como as coisas estão caminhando, teremos de trabalhar até chegar aos 70.� Em Roma, o professor de fotografia Aldo Cimaglia tem 52 anos e está profundamente pessimista em relação a sua aposentadoria. �Estão empurrando com a barriga, pois ninguém estará por perto para encher os cofres da previdência�, disse. �Não se trata só de mim, o país não tem futuro.�

As mudanças seriam necessárias de todo jeito, mas agora tornaram-se urgentes. A população da Europa está envelhecendo rapidamente. O desemprego cresceu e indústrias tradicionais se mudaram para a Ásia. A região geralmente apresenta pouca competitividade nos mercados globais. De acordo com a Comissão Europeia, em 2050 a porcentagem de europeus com mais de 65 anos deve dobrar. Nos anos 50, havia sete trabalhadores para cada aposentado nas economias avançadas. Em 2050 a proporção na União Europeia vai cair para 1,3 empregado para cada aposentado.

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�O tempo bom ficou para trás em países como Grécia, Portugal e Espanha, mas para nós também�, disse Laurente Cohen-Tanugi, advogado francês que preparou para o governo da França um estudo sobre o papel da Europa na economia mundial. �Muitos europeus não vão gostar da forma como coloco a questão, mas esta é a tempestade que estamos enfrentando. Não podemos mais suportar o velho modelo social.�

Em Paris, Malka Braniste, de 88 anos, vive da pensão do marido falecido, que vendia roupas de porta em porta. �Estou preocupada com as próximas gerações�, disse ela, enquanto almoçava com a cunhada, Dominique Alcan. �As pessoas que não guardarem dinheiro não vão ter nada.� Alcan, 49 anos, é vendedora. �Terei de trabalhar por muito tempo�, disse. �Mas tenho medo que nunca alcance o mesmo nível de conforto. Não poderei fazer meu trabalho quando tiver 63. Ser uma vendedora requer muita energia.�

Gustave Brun d�Arre, 18 anos, ainda está no colégio. �A única coisa que ouvimos é que teremos de pagar pelos outros�, disse, ao mesmo tempo que bebericava uma cerveja num café. O garçom interrompeu, discutindo planos para alterar o sistema de aposentadoria francês. �Vai ser uma bagunça�, disse o garçom. �Vamos trabalhar mais e por mais tempo em nossos empregos.�

Os números mostram a gravidade do problema. Os gastos sociais dos governos em toda União Europeia passaram de 16% do PIB em 1980 para 21% em 2005, comparados com 15,9% nos Estados Unidos. Na França o número atual bate em 31%, o maior da Europa. A previdência representa mais de 44% dos gastos do governo. A saúde, 30%.

O desafio é particularmente gigantesco na França, que terá de reduzir os gastos do estado muito mais que seus vizinhos. Na Suécia e na Suíça, sete de cada dez pessoas que trabalham passaram dos 50 anos. Na França, só a metade. A idade legal para aposentadoria na França é de 60 anos, enquanto na Alemanha ela subiu de 65 para 67 anos para os nascidos depois de 1963. Com a aposentadoria da geração que nasceu depois da guerra, os baby-boomers, o número de pensionistas crescerá 47% entre hoje e 2050, enquanto a porcentagem da população com menos de 60 anos permanecerá estagnada. Os franceses chamam isso de �du baby boom au papy boom� . Os custos, se nada mudar, são insustentáveis. O sistema de previdência estatal francês tem hoje um déficit de 11 bilhões de euros. Em 2050, chegará a 103 bilhões de euros, algo como 2,6% do PIB estimado.

O presidente Nicolas Sarkozy pretende aprovar uma grande reforma previdenciária ainda este ano. Houve duas revisões, em 2003 e 2008, que acabaram em conflito. O governo pretende aumentar os impostos sobre altos salários e o número de anos de trabalho. Mas os sindicatos não estão contentes. O Partido Socialista se opõe à proposta de aumentar a idade para a aposentadoria e pesquisas revelam que ainda que a maioria dos franceses pense que a reforma previdenciária é necessária, 60% acredita que continuar trabalhando depois dos 60 anos não é a resposta.

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Jean-François Cope, líder parlamentar do partido de centro-direita de Sarkozy, disse que as mudanças são doloridas, mas necessárias. �O ponto é como preservar nosso modelo e mantê-lo�, disse ele, ainda que reconheça que a palavra �austeridade� tornou-se politicamente sensível. �Nós precisamos nos livrar de práticas ruins. Os alemães fizeram isso, e nós precisamos fazer a mesma coisa.�

Muita gente na Europa afirma que o continente terá de se adaptar às mudanças demográficas e fiscais, porque a paz social depende disso. �A Europa não vai funcionar sem a função protetora do estado�, disse o ex-ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Joschka Fischer. �Na Europa, temos o racismo e o nacionalismo como questões políticas e seus partidários teriam explorado essas queixas se não fosse o estado de bem-estar social�, disse ele. �Ele é a razão de nosso segurança nacional, de nossa democracia.�

A França acabará por seguir a Suécia e a Alemanha e elevar a idade da aposentadoria, argumenta Fischer. “A questão terá de ser harmonizada, europeizada, ou não vai funcionar. Você não pode ter aposentadoria aos 67 anos aqui e outra aos 55 na Grécia.”

Os problemas são ainda mais agudos nas �novas democracias� da zona do euro: Grécia, Portugal e Espanha, que adotaram os ideais democráticos europeus antes que suas economias estivessem prontas. Construíram sistemas de proteção social que agora talvez tenham de mudar. Sob ameaça de moratória, a Grécia congelou as aposentadorias durante três anos e pretende elevar a idade mínima para 65 anos. Congelou os salários do setor público e cortou benefícios para funcionários públicos, incluindo um bônus de dois meses de salário. Portugal reduziu em 5% os salários de altos funcionários públicos e de políticos, aumentou impostos e cancelou grandes projetos de investimento. A Espanha está cortando salários da administração pública em 5% e possíveis aumentos no ano que vem. Mas todos os três países precisam mais do que isso para recuperar sua competitividade e crescer, principalmente fazendo grandes mudanças estruturais e flexibilizando leis trabalhistas que tornam proibitivo demitir ou contratar funcionários e mantêm o desemprego elevado.

�Por muitos anos, nossos líderes políticos agiram com muito pouca coragem�, disse Jean-Claude Meunier, 68 anos, headhunter e oficial aposentado da Marinha francesa, que joga bridge três vezes por semana para �treinar a memória e evitar o Alzheimer�. �As aposentadorias representam a falha de nossos líderes e a falha do sistema.� Em Atenas, Iordanidis, o economista que ganha 800 euros por mês numa livraria, antevê uma oportunidade �de revisar todo esse sistema rançoso e criar um estado que realmente funcione.�

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