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Pesquisadores criam memória falsa em camundongos

Novo estudo ajuda a compreender como uma memória real pode ser alterada no momento em que é relembrada

Por Guilherme Rosa
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h18 - Publicado em 26 jul 2013, 23h32

Os cientistas sabem há bastante tempo que as memórias não são confiáveis. Uma série de pesquisas já mostrou que as lembranças de eventos reais podem ser irremediavelmente alteradas no cérebro humano – e o que resta é uma memória falsa, guardando pouca relação com o que, de fato, aconteceu. O que os pesquisadores não sabem, no entanto, é qual o exato mecanismo pelo qual uma lembrança se transforma em fantasia. Uma pesquisa publicada nesta quinta-feira na revista Science traz novas pistas sobre o tema. No estudo, cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) conseguiram, pela primeira vez, implantar uma memória falsa no cérebro de camundongos, representando fatos traumáticos que eles não viveram.

CONHEÇA A PESQUISA

Título original: Creating a False Memory in the Hippocampus​

Onde foi divulgada: periódico Science

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Quem fez: Steve Ramirez, Xu Liu, Pei-Ann Lin, Junghyup Suh, Michele Pignatelli, Roger L. Redondo, Tomás Ryan e Susumu Tonegawa

Instituição: Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), EUA

Dados de amostragem: Camundongos alterados geneticamente para que pulsos de luz fossem capazes de ativar ou desativar certos neurônios de seu cérebro

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Resultado: Os cientistas colocaram os roedores dentro de uma caixa segura, onde não enfrentavam nenhum tipo de perigo. No dia seguinte, colocaram os animais em outra caixa, na qual levavam choques elétricos nos pés. Ao mesmo tempo, ativaram as células responsáveis por armazenar as memórias da primeira caixa. No terceiro dia, quando foram colocados de volta na primeira caixa, os animais demonstraram medo, pois associaram o ambiente aos choques, mesmo que nunca tenham sofrido qualquer dano no local

O meio pelo qual uma a lembrança é armazenada no cérebro é um debate antigo entre os cientistas. As pesquisas mais recentes indicam que elas são registradas através de mudanças químicas e físicas em conjuntos específicos de neurônios, chamados engramas. Segundo os pesquisadores, esses grupos de neurônios parecem funcionar como peças de Lego: cada vez que um evento é relembrado, o cérebro reconstrói o passado a partir desses tijolos de dados. Mas, cada vez que a memória é acessada, ela pode ser “montada” de um jeito diferente – o que permite distorções.

No ano passado, os mesmos cientistas do MIT haviam desenvolvido um método para localizar no cérebro de camundongos os neurônios responsáveis por uma memória específica. Usando uma técnica chamada optogenética – que torna algumas células do corpo sensíveis a raios de luz -, eles marcaram a localização desses neurônios e, ao aplicar pulsos localizados de luz, mostraram que era possível ligá-los e desligá-los, ativando e desativando as memórias associadas.

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Dessa vez, eles usaram a mesma técnica para acessar uma memória antiga e alterá-la, fazendo o animal “recordar” algo que ele nunca viveu. “Estudos anteriores foram incapazes de descobrir quais as regiões e os circuitos cerebrais responsáveis pela geração de falsas memórias. Nosso experimento fornece o primeiro modelo animal no qual memórias falsas e verdadeiras podem ser investigadas diretamente”, diz Susumu Tonegawa, professor de biologia e neurociência no MIT e um dos autores do estudo.

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Enganando o cérebro – A primeira fase do estudo se concentrou em criar uma memória real nos camundongos. Eles foram colocados em uma caixa segura e puderam explorar o local livremente. Enquanto se locomoviam pelo ambiente, os pesquisadores examinaram seu cérebro, identificando quais neurônios eram responsáveis por registrar as memórias dessa caixa.

No dia seguinte, os animais foram colocados em uma segunda caixa, onde foram submetidos a dolorosos choques elétricos nos pés. Ao mesmo tempo, os cientistas usaram as técnicas da optogenética para ativar os neurônios que haviam registrado as memórias da primeira caixa.

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No terceiro dia, os camundongos foram colocados de volta na primeira caixa. Em vez de voltarem a explorar o local, os animais ficaram paralisados de medo. Eles não se lembravam mais que o ambiente era seguro e passaram a associar o ambiente aos choques. Ou seja: ao ativar as memórias da primeira caixa em um momento de dor, os pesquisadores conseguiram alterar o conteúdo da lembrança, forjando assim uma falsa recordação.

Segundo os cientistas, o experimento explica como, nos seres humanos, as memórias de determinado fato podem ser alterados pelo simples ato de relembrá-las. “Assim como aconteceu com os ratos, uma experiência do passado pode ser associada a um evento adverso ou prazeroso que a pessoa esteja sentindo no momento da lembrança, formando uma falsa memória”, disse Tonegawa.

Collective Next

camundongo ()

A pesquisa foi realizada em três etapas. Na primeira, o animal foi colocado em uma caixa segura e os pesquisadores registraram quais os neurônios envolvidos nas lembranças desse ambiente. Na segunda, o animal tomou choques elétricos enquanto as lembranças do primeiro ambiente eram ativadas. Por fim, ele foi colocado de volta na primeira caixa, onde ficou com medo de tomar choques, embora isso nunca tenha acontecido ali – só em suas memórias

Fantasia e realidade – A técnica ainda é muito rudimentar e invasiva para ser aplicada em seres humanos. Mesmo que algum dia seja segura o suficiente para isso, ainda não está claro se poderá ser usada para manipulações complexas de memória como as mostradas nos filmes Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, O Vingador do Futuro e Blade Runner.

Ainda assim, a pesquisa desperta uma série de questões científicas e filosóficas. Ao questionar a realidade das lembranças e ao sugerir a possibilidade de inventá-las, os pesquisadores colocam em cheque a própria memória humana, fundamental para a construção da identidade e a compreensão do mundo. “Nosso experimento mostra o quão reconstrutivo é o processo da memória. Uma lembrança não é uma cópia em papel carbono da realidade, mas sim uma reconstrução constante do mundo”, diz Steve Ramirez, pesquisador do MIT que também participou do estudo.

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