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A ciência pode explicar a crueldade?

Novas pesquisas mostram como alterações nas funções cerebrais, causadas pela genética e pelo ambiente, podem levar ao comportamento violento

Por Guilherme Rosa
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h20 - Publicado em 4 Maio 2013, 17h02

Nas últimas semanas, uma série de crimes desumanos chamou a atenção da sociedade brasileira. Casos como o da dentista queimada dentro de seu consultório em São Bernardo do Campo ou o da turista estuprada oito vezes dentro de uma van no Rio de Janeiro chocam pela extrema crueldade com que os criminosos trataram suas vítimas e levantam questões sobre como esse tipo de comportamento é possível. O que leva alguém a deixar qualquer resquício de empatia de lado e agir de modo tão sádico com outro ser humano?

As discussões sobre os motivos que levam um indivíduo a agir violentamente costumam ser polarizadas entre duas posições radicais, ideologicamente opostas. De um lado, alguns defendem que o comportamento cruel é uma questão de caráter. Os criminosos seriam naturalmente ruins e, por isso, irrecuperáveis. Do outro lado, alguns defendem que os indivíduos violentos são apenas vítimas do ambiente em que cresceram, traumatizados por uma sociedade desigual e insensível. As pesquisas mais recentes mostram, no entanto, que a crueldade é mais do que apenas uma questão de maldade inata ou de traumas de criação. Na verdade, um novo campo de estudos – a neurocriminologia – mostra que o comportamento violento tem uma série de fatores que se originam em um único lugar: o cérebro humano.

Em 2008, pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos revisaram uma série de estudos que usaram exames de ressonância magnética para analisar o cérebro de indivíduos violentos. Como resultado, descobriram que disfunções em duas áreas cerebrais ligadas às decisões morais podem estar associadas a esse tipo de comportamento. Uma delas é a amígdala, área ligada à resposta aos perigos. Um estudo de 2009 mostrou, por exemplo, que os psicopatas têm a região 18% menor do que os outros indivíduos. A outra disfunção detectada na pesquisa é a baixa atividade do lóbulo frontal do cérebro, região associada à regulação dos comportamentos impulsivos. Um grande número de casos clínicos mostrou que ferimentos nas partes inferiores dessa área podem levar a sérias alterações de comportamento.

Um estudo publicado este ano mostrou que outra região – o córtex singulado anterior – também está associada a crimes violentos. A partir de exames de ressonância magnética, os pesquisadores conseguiram mostrar que ex-detentos com baixa atividade na área têm duas vezes mais chances de serem presos novamente. Com as técnicas cada vez mais avançadas de imagem cerebral, os pesquisadores estão conseguindo mostrar quais alterações podem levar um indivíduo a ser extremamente cruel. Falta mostrar o que causa essas alterações.

Anjinhos e demônios – Muitas vezes, o comportamento antissocial pode vir desde o berço. Uma pesquisa publicada nesta quinta-feira na revista Current Biology mostrou que crianças com graves problemas de conduta, que incluem agressão, roubo e crueldade, não reagiam à dor alheia do mesmo modo que as outras. Ao serem expostas a imagens de outras pessoas sofrendo, as áreas cerebrais associadas à empatia eram ativadas de forma menos intensa, como se o sofrimento dos outros pouco lhes importasse.

Um estudo clássico de 1984, publicado na revista Science, mostrou claramente que existe, sim, um componente genético nos comportamentos violentos. Os pesquisadores analisaram o histórico de 14.000 indivíduos que foram criados por pais adotivos. Eles descobriram que aqueles que eram filhos biológicos de pais com histórico criminal tinham muito mais chances de cometer crimes quando adultos – mostrando que a influência genética poderia ser mais importante do que educação familiar.

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Após a publicação desse estudo, dezenas de outras pesquisas, em sua maioria com gêmeos idênticos, mostraram que o comportamento violento é em grande parte hereditário. Pesquisadores já começaram a identificar algumas mutações genéticas que podem estar relacionadas a esse tipo de personalidade, como as que atingem os genes COMT, 5-HTT ou MAOA. O último, por exemplo, está associado à produção da proteína monoamina oxidase A, que, quando em pequenas quantidades, provoca uma redução da amígdala cerebral.

Os cientistas deixam claro, no entanto, que não dá para culpar o DNA por toda a crueldade vista no mundo. Em 2010, o pesquisador Christopher Ferguson, da Universidade Internacional do Texas A&M, realizou uma revisão de 38 estudos sobre as raízes da violência feitos com gêmeos e crianças adotadas. Ao resumir os resultados, ele calculou que 56% das variações no comportamento antissocial poderiam ser explicadas pela genética. O resto deveria ser debitado ao ambiente. “A mais importante lição que a ciência pode nos dar é que não devemos discutir se é uma questão de natureza ou criação. É uma questão de natureza e criação”, diz Tracy Gunter, psiquiatra da Universidade de Indiana, que também realizou uma revisão dos estudos da área.

Traumas – Historicamente, uma série de pesquisas mostrou que agressões e traumas sofridos na infância podem alterar o cérebro e o comportamento do indivíduo, deixando-o menos sensível à dor alheia e mais propenso à violência. “O ambiente fornece uma série de elementos estressantes que, se não forem exagerados, podem nos ajudar a crescer. Mas, se forem muito grandes, nós podemos passar a exibir problemas no modo como nos desenvolvemos e interagimos com esse mesmo ambiente”, diz Tracy Gunter.

Uma pesquisa conduzida por Gunter em 2012 analisou o passado de 320 presidiários. Aqueles que haviam sofrido algum tipo de abuso na infância possuíam uma tendência maior a desenvolver comportamentos antissociais e psicóticos – assim como um risco maior de suicídio.

É claro que nem todos que passam por situações traumáticas desenvolvem algum tipo de comportamento antissocial. Muitos superam seus problemas e são capazes de levar uma vida normal. Nem a genética e nem o ambiente explicam 100% da crueldade- ela surge a partir da interação complexa desses fatores. Um estudo publicado em 2007 na revista PLos ONE, por exemplo, mostra que eventos traumáticos sofridos nos primeiros quinze anos de vida costumam ser superados sem desencadear grandes distúrbios. No entanto, quando esses traumas acontecem em indivíduos com baixa atividade no gene MAOA, eles se tornam um grande fator de risco para o comportamento antissocial. “Uma teoria plausível é que, na presença de uma quantidade menor da proteína do MAOA, o cérebro se torna mais sensível ao stress, principalmente durante o período de desenvolvimento”, diz Gunter.

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EPIGENÉTICA

É o nome que se dá para as mudanças que acontecem nos genes sem, no entanto, alterar o código genético de um indivíduo. É diferente de uma mutação. Em uma mutação, o código genético é alterado. Já a mudança epigenética só altera a forma como um gene funciona. Essa mudança pode ser causada por fatores ambientais, como poluição ou mesmo pela prática de exercícios, e pode ser passada para as gerações seguintes.

Outro estudo publicado no ano passado no periódico The British Journal of Psychiatry mostrou outros fatores de risco que, quando associados à mutação no MAOA podem levar ao comportamento violento, como QI baixo, má educação e o fato de a mãe ter fumado durante a gravidez. “Nós temos entendido cada vez mais como o genoma é regulado, através do estudo da epigenética. Muitos fatores podem estar associados com mudanças que afetam as funções dos genes, como o consumo de álcool, desnutrição e stress ambiental”, afirma a pesquisadora.

Contra o determinismo – Os pesquisadores destacam que essas conclusões não significam que os indivíduos não são responsáveis por seus atos. Por mais que existam fatores genéticos e ambientais que possam influenciar algum tipo de comportamento, o ser humano é, na maioria das vezes, livre para agir. “Há décadas, ou até séculos, sabemos que nossas escolhas são restritas por fatores que estão além de nosso controle. Isso não significa, no entanto, que não tenhamos a liberdade de escolher”, diz Gunter.

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Em alguns casos, principalmente naqueles em que algum tipo de insanidade é diagnosticada, os fatores biológicos podem realmente se sobrepujar à capacidade de escolha do indivíduo. Em outros, a decisão de agir de maneira cruel tem pouca ou nenhuma influência genética ou ambiental. “No entanto, para a maioria de nós, o ambiente e a biologia vão existir em algum ponto entre esses dois extremos. Esse é um campo de estudos sobre a complexidade, e não o reducionismo.”

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