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“Todos os atiradores deram sinais de que tramavam algo e de que não estavam bem”

Britta Bannenberg, especialista em crimes cometidos por atiradores, diz que pais e professores podem ajudar a identificar jovens com propensão a ataques

Por Luciana Rangel, de Berlim
16 abr 2011, 09h42

“Pais e professores precisam estar alertas aos sinais. Se o filho não tem amigos, se ele se comporta de maneira estranha, decora seu quarto com temas de violência e fica quatro a cinco horas jogando no computador diariamente, é alguém que precisa de atenção”

Nunca será possível prever com precisão as datas e detalhes de qualquer crime. Mas duas características estão presentes em praticamente todos os ataques em massa: os criminosos deram sinais de que tinham um plano em mente. Também externavam que não estavam bem, que algo fora do normal acontecia em suas vidas naquele período. Pode ser pouco para deter a tempo um running amok – termo que designa os atiradores como Wellington e que classifica um assassino fora de controle. Mas esse tipo de informação, quando trocada entre pais, professores e até a polícia, dependendo do grau de ameaça que o comportamento representa, pode abortar o planejamento de um massacre. A avaliação é da criminologista alemã Britta Bannenberg, especialista em violência nas escolas e crimes causados pela síndrome de Amok – tema de um livro da pesquisadora sobre o tema (Amok, editora Gütersloher Verlagshaus, 2010).

Britta coordena o Instituto de criminologia na Universidade de Giessen e é analista do Instituto Federal de criminalística da Alemanha, onde investiga causas e características comuns desses ataques. A única particularidade do ataque à escola pública de Realengo, diz ela, é o fato de o Rio de Janeiro ser uma cidade de alguns milhões de habitantes – enquanto os running amok costumam atacar em lugares menores. Fora essa peculiaridade, a história do perturbado Wellington tem rigorosamente os mesmos ingredientes de ataques na Europa e nos Estados Unidos.

Num caso como o ataque à escola de Realengo, no Rio, todos sempre se perguntam se não é possível identificar previamente um criminoso com essas inclinações. Como podemos reconhecer esses indivíduos? Infelizmente é difícil reconhecer. Na adolescência os jovens falam coisas sem pensar. Mas há fatores como personalidade, fatores sociais. São pessoas de familias normais, na grande maioria homens jovens, e curiosamente não são conhecidos pela agressividade. Costumam ser jovens tranquilos, tímidos, com problemas com as garotas. Eles não se sentem aceitos, sentem-se perdedores. Mas há algo de importante: todos os atiradores deram sinais de que tramavam algo e de que não estavam bem. Quando ouvimos professores, membros da família e colegas, percebe-se que todos viam algo errado, mas os fatos não foram ligados, não houve troca de informação entre eles.

Esses jovens sofreram violência em casa ou na escola? A maioria não. Eles não sofreram mobbing (assédio psicológico), mas acharam que sofriam disso, o que é bem diferente. Isso tem a ver com sentimentos como narcisismo, depressão e raiva. Os que sofreram violência em casa são casos raros. O que mais se percebe é a falta massiva de comunicacão entre pais e filhos. Os running amok se afastam de qualquer conflito violento na escola. Ficam no anonimato, às vezes escondidos em roupas pretas. Até que constroem sua manifestação violenta, uma relação com armas.

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No Brasil fala-se que uma política de desarmamento poderia evitar este tipo de crime… Fala-se também do uso de detector de metais na porta de escolas. Geralmente os atiradores desse tipo de ataque conseguem a arma dentro de casa ou em suas cercanias. Uma política de controle de armas reduz o acesso, e, no caso do Rio, certamente reduziria o número de mortos, considerada a munição que ele transportava. O detector de metal pode adjudar a evitar, mas geralmente o criminoso conhece e se prepara até um anos antes de cometer o crime.

Qual seria, então, a forma de combater esse tipo de ameaça? Pais e professores precisam estar alertas aos sinais. Se o filho não tem amigos, se ele se comporta de maneira estranha, decora seu quarto com temas de violência e fica quatro a cinco horas jogando no computador diariamente, é alguém que precisa de atenção. Não dá para considerar todos suspeitos, mas qualquer comportamento estranho precisa ser questionado. Depois do caso de 2009 na Alemanha, muitos estudantes passaram a ficar atentos a comentários esquisitos de colegas na internet ou em sala de aula e comunicaram aos seus pais. Professores e psicólogos precisam ter informações sobre este tipo de crime e sobre violência de maneira geral. Precisam ser oferecidos cursos nos quais se trabalhe questões como o que fazer para ter um clima positivo na sala de aula, como trabalhar a violência entre alunos. Até agora estes temas não são trabalhados na formação dos professores. É importante saber a quem recorrer no caso de suspeita ou uma situação de perigo, e aí entram também a polícia e as autoridades públicas.

Há uma sensação aterradora de que os assassinatos em massa se tornam mais frequentes, como se fossem uma ameaça moderna que ronda escolas, universidades. Essa é uma impressão exagerada? Não é um crime ou uma ameaça moderna. Mas podemos dizer que foi modernizado pela mídia. Em escolas, isso comecou no século 21. Há em outros lugares também, geralmente públicos, mas a sensação ameaçadora vem do fato de que em escolas tem sido mais comum. O running amok quer ser reconhecido, quer chamar a atenção. No caso do Rio, os jornais fazem quase um diário do crime.

Quais particularidades a senhora enxerga no ataque à escola no Rio de Janeiro? É uma exceção porque é uma cidade com milhões de habitantes. As ocorrências mais comuns são em lugares menores. Já aconteceu em Erfurt, na Alemanha, que tem 200 mil habitantes. O caso no Rio de Janeiro é um novo caso. E não se pode incorrer no erro de conectá-lo de alguma forma à violência comum. Não é um crime com qualquer relação, não é fruto da violência do Brasil.

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