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Denúncia anônima sobre propina citava sócio da mulher de Jilmar Tatto

Em sua primeira versão, datada de setembro de 2012, o ex-subsecretário da Receita Ronilson Rodrigues omitiu ser dono da empresa usada no esquema

Por Felipe Frazão 11 nov 2013, 14h41

A denúncia anônima que chegou à prefeitura de São Paulo em setembro do ano passado acusando auditores fiscais de desviar recursos do imposto sobre serviços (ISS) e de cobrar propina de construtores citava, entre os supostos integrantes da quadrilha, Moacir Fernando Reis, sócio da mulher do secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto (PT).

Conforme revelou o site de VEJA na semana passada, Reis possui um estacionamento em sociedade com a mulher do secretário, Adli Tatto, além de namorar uma irmã dela. Após a publicação da reportagem, Reis foi afastado do cargo de confiança na Secretaria de Finanças de Fernando Haddad (PT).

Além de Reis, a carta anônima citava quatro auditores: o ex-subsecretário da Receita Municipal Ronilson Bezerra Rodrigues, Fábio Camargo Remesso, Arnaldo Augusto Pereira e Vladimir Varizo Tavares.

Em seu primeiro depoimento sobre o caso, em 12 de setembro do ano passado, Ronilson declarou ter sido o responsável por nomear Fábio Remesso para o posto de confiança de diretor de Fiscalização. Ele afirmou também que Reis virou chefe da Divisão de Instituições Financeiras por uma “escolha direta” de Remesso.

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Perfil

RONILSON BEZERRA RODRIGUES

Servidor público há trinta anos, Ronilson Bezerra Rodrigues nasceu em Fortaleza (CE) e foi criado, por 27 anos, no Rio de Janeiro. Formou-se em Administração na Universidade Federal Fluminense (UFF). Cursou pós-graduação em Recursos Humanos na Fundação Getúlio Vargas (FGV), também no Rio. Já em São Paulo, fez especialização em Gestão Pública na Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap). Entrou na prefeitura concursado em 1998, como auditor fiscal tributário. Antes, fora fiscal de semestre no Maranhão e capitão do Exército. Antes de ser preso, chegou a subsecretário da Receita Municipal na gestão Gilberto Kassab (PSD) e diretor executivo da São Paulo Transportes (SPTrans) na atual gestão, de Fernando Haddad (PT). Por quatro meses, foi secretário adjunto de Planejamento e Orçamento da prefeitura de Santo André (SP), no governo do ex-prefeito Aidan Ravin (PSB, então no PTB). Tido como especialista em tributos e “exemplar” em aumento de arrecadação, era requisitado para palestras e debates em órgãos como a Assembleia Legislativa paulista (Alesp), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Tribunal de Contas do Município (TCM-SP). Ronilson pregava o combate a fraudes nesses eventos.

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Filiado ao PMDB, Remesso foi chefe de gabinete da pasta de Assistência e Desenvolvimento Social, cuja atual titular é Luciana Temer (PMDB), filha do vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB). Ligado ao vereador Nelo Rodolfo (PMDB), Remesso assumiu o cargo de assessor técnico da Coordenaria de Articulação Política e Social, cujo titular é o petista João Antonio.

Reis, Remesso, Pereira e Tavares foram exonerados por Haddad nas últimas duas semanas. Ronilson assegurou no interrogatório que todos eram seus subordinados – com exceção de Pereira, que fora subsecretário antes dele e titular da pasta de Planejamento e Orçamento na prefeitura de Santo André (SP), em 2009, para onde levou Ronilson como secretário-adjunto.

Ao ser interrogado pelo então corregedor-geral, Edilson Mougenot Bonfim, o ex-subsecretário suspeitava que um empresário ou um colega de trabalho pudesse ser o autor da denúncia. Chamou a atenção de Ronilson o fato de o autor da carta ter indicado, com precisão, nomes ligados a Ronilson dentro da pasta. Mas, para ele, ainda faltavam pessoas de sua equipe: “Faltou [citar] os da minha equipe. Eu não comando um bando, nenhum grupo, eu comando uma equipe”.

Nenhum dos três auditores presos com Ronilson na operação (Luis Alexandre de Magalhães, Carlos Augusto di Lallo Leite do Amaral e Eduardo Horle Barcellos) foi mencionado na denúncia anônima.

Acerto mensal – O texto diz que Ronilson protegia empresas em troca de um pagamento mensal. A operação seria conhecida como “o melhor negócio” no setor imobiliário, porque tudo seria controlado diretamente por Ronilson. Sem interferência de fiscais, considerados “intermediários” do negócio, ele não precisaria dividir a quantia. O ex-subsecretário ainda possuiria, segundo a denúncia, o poder de cobrar infrações praticadas por empresas. Mas o valor da cobrança poderia ser reduzido ou até extinto, desde que fosse paga propina.

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O Ministério Público, acionado pela prefeitura para investigar os auditores apenas neste ano, diz que Ronilson chefiava uma quadrilha que exigia propina de construtoras em troca de descontos de até 50% no pagamento do ISS. Os auditores também acelerariam a emissão do certificado de quitação do tributo, necessário para concessão do “Habite-se”, que libera a ocupação dos imóveis.

Sistema – Durante seu primeiro depoimento, Ronilson negou as acusações anônimas e alegou inconsistência na denúncia: “Está tudo abstrato”. De fato, não havia nomes de empresas, nem empreendimentos específicos indicados na carta anônima.

Na ocasião, ele alegou ao corregedor-geral que não tinha como interferir nos processos administrativos, porque todos os dados de pagamento eram informatizados, e os acessos ficavam registrados nos computadores da pasta de Finanças, deixando uma espécie de rastro. Segundo o auditor, tudo poderia ser checado posteriormente – o que levaria à descoberta da fraude.

Ronilson explicou o funcionamento burocrático da Subsecretaria da Receita no depoimento. Disse que a checagem dos pagamentos de impostos passava por duas etapas. A primeira era eletrônica, baseada em malhas de empresas separadas automaticamente por parâmetros de acordo com dados do cadastro de contribuintes e da Receita Federal. As empresas eram divididas por faixas. Se houvesse inconsistência de dados e a empresa entrasse numa faixa indevida, fiscais determinariam auditoria. Nesse estágio, a determinação de quem iria passar por fiscalização passava a ter critérios humanos – “muito subjetivos”, segundo promotores. O foco eram as companhias que movimentavam grande volume de dinheiro.

“Aquelas com maior potencial de autos de infração é que a gente vai atrás. A gente está aqui pra arrecadar”, disse Ronilson, que afirmou, porém, não ter como interferir nos atos do auditor fiscal que ia até a empresa, nem determinar quais companhias seriam ou não fiscalizadas. “Eu não tenho o poder de tirar uma fiscalização de um fiscal. Não depende de mim, eu nem sei o que está acontecendo”.

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Ele afirmou, porém, que a determinação para fiscalizar uma empresa ou outra partia do diretor do Departamento de Fiscalização, subordinado a Ronilson, que depois de cruzar dados decidia quem seria ou não checado. Isso ocorreria porque há déficit de fiscais, segundo Ronilson. “Não dá pra gente fiscalizar cem por cento”, afirmou.

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Patrimônio – Ronilson alegou, no depoimento, que tinha apenas quatro imóveis em seu nome – três apartamentos em São Paulo comprados e quitados em 2004, 2005 e 2006 – antes, portanto, de assumir a Subsecretaria da Receita. O único financiado, em consignação do Banco do Brasil obtida em 2009, seria em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Todos foram comprados junto com a mulher. Ele morava no maior deles, de 168,7 metros quadrados, no bairro da Vila Mariana, na Zona Sul da capital paulista. O menor tinha 130 metros quadrados. Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do IPTU na Câmara paulistana, dissera, porém, que morava “em um apartamentinho”.

Ao falar de seus bens – alvo principal da denúncia -, Ronilson omitiu a empresa que abrira com a mulher, a Pedra Branca Assessoria e Consultoria – tratada pelo Ministério Público como o “ninho” da corrupção. Disse também que não tinha dinheiro em contas bancárias ou aplicações financeiras. Tampouco outra fonte de renda. “Não tenho mais nada. Infelizmente”, afirmou. “Só o salário. Agora, meu salário é bom.”

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Apesar disso, ele disse que sua declaração de bens à prefeitura – única fonte para o interrogatório ao lado da denúncia anônima – conferia com sua declaração do Imposto de Renda. “Para você ter ideia, o Mauro Ricardo [secretário de Finanças] me pediu todas as minhas certidões, cartões de registro de imóveis, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e eu entreguei tudo pra ele.”

O dinheiro recebido a título de propina, segundo promotores, serviu para Ronilson comprar dezenas de imóveis em São Paulo. Parte dele, porém, o auditor investiu em gado nelore, na fazenda de sua mulher em Minas Gerais. Cassiana Manhães Alves é mineira e recebe renda da família, alegou o auditor. Ele disse que a mulher possui um sítio e três fazendas em Minas e que divide os lucros da produção de leite, do gado e de alugueis com mais três irmãos. Fora isso, teria ainda “dois ou três imóveis” em Cataguases (MG), da década de 1970. O bens seriam todos da herança do sogro de Ronilson: “O meu patrimônio não tem nada a ver com o dela, não”.

Ameaças – Por mais de uma vez, Ronilson declarou ao corregedor-geral que pretendia deixar a prefeitura. “Eu não quero permanecer. Na verdade, dia 31 de dezembro eu vou embora. Eu só não vou antes porque o Mauro [Ricardo] não deixa, mas 31 de dezembro eu vou embora.

Ronilson também informou estar sendo ameaçado de morte, por uma pessoa não identificada. “Eu já fui ameaçado de morte, pô [sic]. Já fui ameaçado. Prefiro não duvidar. Não, não… Eu não costumo duvidar. Eu tenho três filhos para criar, tenho mulher”.

“Eu quero sair. Entendeu? Eu não sei o que pode acontecer, não sei o que pode acontecer comigo. Eu posso sair aqui sem problemas, eu já falei com o Mauro Ricardo, eu pedi pra ele e ele falou ‘não, não vou te dar, deixa então pra ficar até 31 de dezembro’. Eu falei: ‘Eu quero sair porque tem algum… Alguma coisa'”, suspeitava Ronilson.

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À época do interrogatório, não existia a atual Controladoria-Geral do Município (CGM), que possui mais poderes de investigação autorizados por lei. Bonfim tinha acesso apenas a informações do denunciante e à declaração patrimonial que Ronilson, assim como todos os servidores, era obrigado a prestar anualmente à prefeitura. Mesmo assim, Bonfim intimou o auditor, que prestou depoimento a ele, a Rodrigo Yokouchi Santos e Cesar Bocuhy Bonilha. Santos ainda se tornou assistente de Mario Spinelli.

Ronilson foi exonerado em dezembro de 2012 por Mauro Ricardo Costa. O secretário disse que o auditor se insubordinara após ter sido interrogado pelo corregedor. Dias depois, Costa votaria pelo arquivamento de uma apuração administrativa, paralela à da Corregedoria, iniciada em outubro no âmbito da pasta de Finanças. O controlador-geral arquivou a sindicância neste ano. Mais tarde, Ronilson seria indicado pela gestão Haddad para uma diretoria da São Paulo Transportes (SPTrans). Segundo Spinelli, o interrogatório não ensejou abertura de investigação formal e por isso nunca foi arquivado.

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