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Associação de vítimas caça Roger Abdelmassih pelo mundo

Líder de grupo de mulheres atacadas sexualmente pelo médico conta como funciona a perseguição a um dos brasileiros mais procurados pela Interpol

Por Bela Megale
20 jul 2014, 15h29

Em 2003, a dona de casa Helena Leardini buscou um tratamento para engravidar. Procurou o especialista mais famoso em fertilização da época, o médico Roger Abdelmassih, que tinha no currículo uma lista de clientes-celebridade, como o ex-craque Pelé. Pagou 30 000 reais por um pacote que lhe dava direito a três tentativas. Durante a primeira consulta sem o marido, ainda antes do procedimento, foi surpreendida pelo médico com um beijo arrancado à força. “Ele veio falando mansinho e, de repente, segurou meu pescoço com as duas mãos e me beijou. Cerrei a boca, consegui empurrá-lo com o joelho e saí correndo”, conta ela. Aos 34 anos e sem dinheiro para procurar outro médico, Helena continuou o tratamento, já pago. Mas a partir daquele momento, passou a ir ao consultório sempre acompanhada pelo marido, a quem relatou o ocorrido. “Queria realizar um sonho”, diz ela, para justificar não ter denunciado o médico na ocasião. Desde então, passou a ser atendida por outros profissionais da clínica e teve sucesso. Hoje, tem duas meninas, gêmeas.

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Sua história, ela saberia depois, era apenas uma entre dezenas de mulheres, muitas delas vítimas de abusos ainda mais graves. Conta a empresária Ivanildes Serebrenic, que tinha procurado Abdelmassih quatro anos antes: “Após a minha segunda coleta de óvulos, quando eu estava acordando da sedação, vi o médico com os órgãos genitais para fora da calça e minhas mãos sujas com seu esperma”. Ela interrompeu o tratamento, procurou outro profissional e conseguiu engravidar de trigêmeos.

As duas mulheres se conheceram por meio da Associação “Vítimas de Roger Abdelmassih”, criada em 2011 pela estilista Vanuzia Lopes, depois que o médico, condenado a 278 anos de prisão por 56 estupros, se tornou um foragido da Justiça. Vanuzia também foi vítima de Abdelmassih, em 1993, depois do procedimento de retirada de óvulos para fecundação. “Abri os olhos e ele estava em cima de mim. Mesmo meio zonza pela anestesia, consegui tirá-lo dali”, conta ela, que afirma ter ficado infértil após o episódio. “Por causa de uma infecção que ele me passou, perdi as trompas e parte do ovário”, explica.

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Desde que soube da fuga do médico, a estilista passou a estudar Direito e promover uma caçada a Abdelmassih pelo mundo. Ela usa a página do grupo em redes sociais para se conectar com informantes e buscar o paradeiro do seu agressor. Em entrevista a VEJA, a líder do associação fala de sua história e de como funciona a perseguição a um dos brasileiros mais procurados pela Interpol.

Como conheceu Roger?

Em 1993 eu o procurei para fazer um tratamento para engravidar porque ele era um médico famoso nessa área. Quando cheguei lá, tive a certeza que eu engravidaria. “Garanto que você sairá daqui com o bebê no colo”, ele falou. Até vendemos um apartamento modesto que tínhamos na praia para pagá-lo. Na época, meu marido falou da nossa dificuldade e ele disse: “Você prefere ver o mar ou o sorriso do seu filho?”. Logo estava com o dinheiro na mão.

Quando percebeu que tinha sido abusada?

Quando comecei o tratamento, ele me elogiava demais, dizia que eu era bonita, mas não interpretei aquilo como um sinal, só achei estranho. Fiz três sessões. Na primeira não notei nada, mas na última acordei com ele em cima de mim. Quando percebi, tinha um sangramento no ânus. Estava meio zonza por causa da anestesia, mas consegui tirá-lo de cima. No mesmo dia fui à delegacia e também fiz o exame corpo de delito. Tenho até hoje o protocolo amarelado do exame e do boletim de ocorrência. Fui com esses papéis ao Conselho Regional de Medicina e fiz minha denúncia. Mas ele era muito conhecido e nada andou.

Você teve sequelas?

Por causa de uma infecção que ele me passou perdi duas trompas e parte do ovário. Eu me tornei uma mulher infértil. Também me tornei obesa, fiquei pesando mais de cem quilos na época. E tive síndrome do pânico, fiquei sem sair de casa por mais de dois anos.

Qual foi sua reação quando, 15 anos depois, outras denúncias contra o médico ganharam força?

Passei anos acreditando que ele era estuprador de uma mulher só, até tomar conhecimento de outras vitimas. O que me estimulou a mostrar o rosto foi a tese da defesa, que dizia que Abdelmassih enfrentava “vítimas sem rosto”.

Quando montou a associação?

Foi em 2011, quando ele se tornou um foragido. Eu já trocava mensagens com outras vítimas que mostraram a identidade. A gente sempre fez tudo por meio de redes sociais, mas a comunicação ficou mais intensa depois que ele fugiu. Foi então que decidi criar formalmente a associação.

Como ela funciona?

Hoje somos seis vítimas que mostramos o rosto, mas estamos em contato com muitas anônimas. Falo diretamente com vinte mulheres, algumas moram fora do Brasil — na Europa e Estados Unidos. Há uma divisão de tarefas. Eu sou a responsável por falar com denunciantes e receber os documentos, inclusive respondo civil e criminalmente por eles. As outras têm o papel de dar suporte às vítimas que nos procuram.

Vocês trabalham sozinhas ou têm ajuda de algum órgão público?

Por muito tempo atuamos sozinhas, mas recentemente passamos e ter contato com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo que está nos dando suporte.

Quando Roger Abdelmassih for capturado a associação acabará?

Recebemos denuncias de diversas espécies. Muitas pessoas nos procuram para relatar abusos que sofreram de outros estupradores. Nossa ideia é continuar ouvindo vítimas e denunciantes e ajudar na busca de outros procurados.

Por que decidiu mostrar seu rosto?

Mostrar o rosto dá força e credibilidade a uma denúncia. Quando ela se esconde, deixa o agressor mais forte. Somos vítimas e não coitadas.

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