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Balança o tripé de Moro

A estratégia do juiz da Lava-Jato, inspirada no sucesso da faxina contra a corrupção na Itália dos anos 90, estava apoiada em três pilares: prisão, delação e divulgação. Vinha funcionando extraordinariamente bem, mas a libertação dos empreiteiros rompe o “círculo virtuoso”

Por André Petry Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 30 abr 2015, 23h28

Sergio Moro é um estudioso e admirador da Operação Mãos Limpas, a gigantesca faxina contra a corrupção realizada na Itália na década de 90, que começou investigando um bagre miúdo com 4 000 dólares de propina no bolso e terminou capturando 1 300 empresários e parlamentares. Em 2004, Moro publicou cinco páginas numa revista jurídica analisando a operação italiana. Hoje, o texto circula na rede. Sob o título “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”, Moro descreve o que, em sua opinião, explica o estrondoso sucesso da ação italiana. É a criteriosa e sistemática aplicação de uma estratégia em três pilares: prisão, delação, divulgação.

Mesmo antes da condenação, a prisão dos corruptos – explica Moro – é fundamental para marcar a “seriedade do crime” e mostrar que, até “em sistemas judiciais morosos”, a Justiça pode funcionar. A delação, por sua vez, é a única forma de chegar aos mandantes de uma organização criminosa. Moro cita o raciocínio de um dos investigadores italianos: “A corrupção envolve quem paga e quem recebe. Se eles se calarem, não vamos descobrir jamais”. A divulgação, última perna do tripé, é uma forma de garantir o apoio da opinião pública às investigações. Os italianos, escreveu Moro, fizeram “largo uso da imprensa” com esse fim. Sintetizando sua análise, Moro afirma que o tripé criou um “círculo virtuoso” na Itália: “As prisões, confissões e a publicidade conferida às informações obtidas geraram um círculo virtuoso, consistindo na única explicação possível para a magnitude dos resultados obtidos pela Operação Mani Pulite”.

Desde o início do ano passado, quando a Lava-Jato saiu do papel, o juiz Sergio Moro, 43 anos, estava pondo em prática a receita italiana e, desde a semana passada, quando os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram libertar os nove empreiteiros, sua estratégia ruiu. Sem a prisão de alguns dos maiores expoentes da organização criminosa que assaltou a Petrobras, é improvável que haja novos acordos de delação e, sem novos acordos, será escassa a produção de novidades capazes de garantir o interesse da opinião pública. Moro, dizem seus interlocutores mais próximos, ficou decepcionado com a decisão do STF, embora tenha achado exemplar o voto do ministro Celso de Mello, que queria manter os nove na cadeia por entender que a prisão preventiva se sustentava em “fatos impregnados de inquestionável relevo jurídico”. Mas Moro não ficou surpreso com o revés. Ele mesmo escreveu, ainda a propósito da operação italiana: “É ingenuidade pensar que processos criminais eficazes contra figuras poderosas, como autoridades governamentais ou empresários, possam ser conduzidos normalmente, sem reações”.

As ações penais da Lava-Jato vão continuar caminhando do modo como caminhavam antes da prisão dos empreiteiros. Nada impede que, a qualquer hora, o tripé de Moro volte a se erguer. Basta um novo motivo para prender um tubarão, quem sabe uma nova confissão de um empreiteiro vestindo tornozeleira eletrônica em casa. Ou, até mesmo, a entrada em cena de novos suspeitos de empreiteiras que constam do cartel da corrupção, como Odebrecht e Andrade Gutierrez, mas que foram pouco incomodados até agora. O apoio da opinião pública, a julgar pelas pesquisas e pelas ruas, está garantido. Mesmo com tudo isso, será mais complicado reativar o círculo virtuoso.

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Até a semana passada, as decisões de Moro vinham se mantendo contra o arsenal de vários dos mais calibrados escritórios de advocacia do país. Ao contrário de outro magistrado que se tornou celebridade nacional, o ex-ministro Joaquim Barbosa, Moro é considerado um juiz de alta competência técnica. Já era assim quando cursou direito na Universidade Estadual de Maringá, no Paraná, onde ganhou fama de “geniozinho”. Continuou desse jeito no seu estágio no escritório do tributarista Irivaldo Joaquim de Souza, que tem meio século de experiência e só elogios para Moro: “Era um estagiário brilhante”. E seguiu dessa forma quando prestou o rigoroso concurso para juiz federal em 1996, no qual tirou um honroso segundo lugar. Sua competência será posta à prova, mais uma vez, para manter a Lava-Jato de pé.

Além do talento, há outra qualidade que não falta a Moro: coerência. É antiga a sua opinião de que a prisão preventiva – como à que estiveram submetidos os nove empreiteiros soltos agora – não viola a presunção da inocência. Também é antigo seu interesse pela delação premiada, instituto relativamente recente na ordem jurídica brasileira. Chegou a traduzir um longo artigo do juiz Stephen Trott, de uma corte de apelações da Justiça federal dos Estados Unidos, publicado em 1996. Nele, Trott dá conselhos minuciosos sobre as vantagens e as armadilhas de obter o apoio de uma testemunha criminosa, seja como delator, informante ou cúmplice. Em sua tradução, Moro deixa evidente – em suas notas de rodapé ou nas passagens que fez questão de grifar por conta própria – que o cerne da questão não é saber se o criminoso deve ser usado como delator, mas quando e como.

Na sua trajetória profissional, talvez o dado mais forte seja seu sentido de missão, especialmente no que diz respeito a higienizar a democracia brasileira, amputando o braço da corrupção. Há cinco anos, Moro participou de um movimento pela renúncia dos diretores da Assembleia Legislativa no Paraná, suspeitos de grossa corrupção. A campanha fracassou, mas revelou-­lhe que um juiz federal podia fazer mais do que assinar sentenças. A própria Operação Mãos Limpas levou-o a traçar um paralelo com o Brasil. Moro acha que as “condições institucionais” que permitiram a limpeza italiana também estão maduras entre nós. Escreveu ele: “Assim como na Itália, a classe política não goza de prestígio junto à população, sendo grande a frustração pela quantidade de promessas não cumpridas após a restauração democrática”.

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No balanço da Lava-Jato, Moro cometeu poucos erros. Em fevereiro, tentou puxar para o seu controle o caso de corrupção que envolve a ex-­governadora Roseana Sarney, do Maranhão. Perdeu. Depois, pediu a prisão preventiva de empreiteiros cujos representantes haviam tido uma audiência na penumbra com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Moro entendeu que conspiravam para obstruir a Justiça. Também perdeu. No caso mais recente, prendeu a cunhada de João Vaccari, ex-tesoureiro do PT, ao confundi-la com a irmã. Depois de sete dias em cana, a cunhada do ex-tesoureiro foi libertada, mas Moro não teve a grandeza de admitir que errou de pessoa, escapulindo pela tangente ao dizer que perdera a “certeza” de quem era quem. Agora, três dos cinco ministros do STF disseram que não havia justificativa para manter os nove presos, derrubando uma decisão de Moro. Juízes erram, cometem injustiça, dobram a lei. O fundamental é que sejam movidos, sempre, pelo espírito de acertar, fazer justiça e garantir as proteções da lei.

Nada na carreira de Moro autoriza a pensar que seu espírito esteja no lugar errado. O tripé que montou é ousado, mas vem sendo executado com zelo para não violar os direitos dos investigados. É o ensinamento de um dos seus ídolos do mundo jurídico, o juiz americano Learned Hand, que nunca chegou à Suprema Corte mas é mais celebrado do que muitos que lá chegaram. Bem-­nascido e erudito, Hand escrevia com brilho e verve. Jamais se preocupou se suas decisões desagradariam a gregos ou troianos, e tinha respeito pétreo pela liberdade de expressão. Trabalhou como juiz federal por mais de meio século e morreu aos 89 anos, em 1961. Numa decisão que lhe valeu a hostilidade da imprensa em plena Guerra Fria, Hand inocentou uma funcionária do Ministério da Justiça que fora condenada a quinze anos de prisão depois que o governo americano descobriu que ela furtara segredos de defesa para repassá-los aos soviéticos. Mas a descoberta fora feita através de um grampo telefônico ilegal. Numa carta a um dos seus críticos, Hand deixou uma lição imortal: “Não é desejável condenar um réu, mesmo que seja culpado, quando, para fazê-­lo, é preciso violar as regras que asseguram a liberdade de todos nós”.

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