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Façam o que eu digo

Cada vez mais pessoas passam o dia postando a própria vida nas redes sociais. São os influenciadores digitais, que ganham um bom dinheiro com isso

Por Maria Clara Vieira e Bruna Motta
Atualizado em 10 dez 2018, 09h20 - Publicado em 11 Maio 2018, 06h00

Enquanto caminha e pratica exercícios nas areias da Praia de São Conrado, na Zona Sul do Rio de Janeiro, a carioca Luiza D’Angelo é só mais uma no meio da multidão. Sua casa — um apartamento de um quarto que ainda passa por retoques finais antes da mudança definitiva — não difere da de qualquer morador dos arredores. No entanto, no mundo paralelo das redes sociais, Luiza se transforma: 262 000 pessoas acompanham avidamente o dia a dia da jovem de 28 anos por meio de suas postagens no Instagram. Luiza não é especialmente linda, nem especialmente rica, nem especialmente brilhante. Mas uma coisa ela faz muito, muito bem: sabe cativar seguidores mostrando as cenas de uma vida que nem tem tanto glamour assim — e responde a cada comentário que recebe. O alcance das fotos e stories (pequenos vídeos de dez segundos que desaparecem depois de 24 horas), somado ao contato pessoal, faz de Luiza uma digital influencer, ou influenciadora digital, uma ocupação ambicionada, ou admirada, por dez entre dez internautas convictos.

A função do influenciador digital é exatamente o que o nome indica: influenciar quem o acompanha nas redes sociais a seguir suas recomendações de produtos — e ganhar dinheiro com isso. As maiores estrelas do universo influenciador surgiram meio por acaso e demoraram a lucrar com seu poder de persuasão, como a modelo paulista Maju Trindade (5,1 milhões de seguidores no Instagram) e a musa fitness Gabriela Pugliesi (3,8 milhões). O fenômeno não é novo, mas, nos últimos cinco anos, expandiu-se com a potência de um big bang. Percebendo o potencial de mercado, candidatos amontoam perfis nas redes sociais para expor sua vida privada, na esperança de amealhar um número razoável de seguidores e tornar-­se influenciadores digitais.

Calcula-se que existam no Brasil cerca de 200 000 indivíduos, a maioria mulheres, fazendo amigos e influenciando pessoas na internet e que 66% do conteúdo produzido nesse ramo esteja abrigado em perfis com até 10 000 seguidores. Parece pouco, mas, aos olhos do mercado publicitário, os influenciadores na faixa de até mais ou menos 200 000 seguidores compensam a popularidade menor com uma qualidade que vale ouro na era digital: o chamado engajamento. Seu público é fiel, íntimo, próximo, confiante — e, claro, altamente influenciável. “Uma menina de Roraima que tem 5 000 seguidores é significativa para sua região, e o que ela falar terá grande valor local”, explica o publicitário Celso Forster, da BR Media, empresa especializada em fazer a ponte entre anunciantes e influenciadores. “Os influenciadores fazem a propaganda boca a boca da era digital”, compara Marcus Coelho, também dono de uma empresa do setor.

(Arte/VEJA)

Saber dosar tanto a exposição quanto o conteúdo das postagens, de forma que tudo pareça sincero e não um mero comercial intragável, é o maior desafio dos profissionais da influência. VEJA acompanhou um dia de atividades de Luiza, a influenciadora que, diz ela, se sustenta há três anos basicamente com a divulgação de produtos em suas redes sociais. Ao descer para a caminhada e ginástica na praia, às 11 horas de uma sexta-­feira, ela ainda não havia postado nada em seu Instagram. Meia hora depois vem o primeiro vídeo, em que informa estar retomando sua rotina de exercícios. Naquele momento, 150 mensagens não lidas a aguardavam; responderia a todas ao longo do dia, e ainda às que fossem chegando, enquanto postava quinze stories e quatro fotos, cada uma merecedora de milhares de curtidas. “Tudo o que eu faço ou consumo vira conteúdo”, diz Luiza, que trabalha com um fotógrafo profissional. A influenciadora cobra 1 500 reais por foto ou vídeo em que apareça algum produto de marca patrocinada. No dia da entrevista, foram três patrocínios — um par de botas, uma blusa e um vestido — e dois elogios compensados em espécie, o papel de parede da casa nova e os cabides do closet.

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Especialista em marketing digital, o publicitário Igor Fidalgo, carioca radicado em Lisboa, explora atualmente, com grande sucesso, uma derivação desse mercado — ele prepara pessoas para ser influenciadoras digitais. “Recebo milhares de e-­mails toda semana de pessoas do mundo inteiro interessadas em criar esse reality show de si mesmas”, diz. O processo de formação da imagem digital tem semelhanças com a construção de uma marca. “Eu descubro os gostos, as preferências, as qualidades, os defeitos, até os traumas de cada um. Desenhamos junto um personagem plausível, com temas definidos, para que as postagens não fiquem restritas a um assunto só, como o look do dia”, diz Fidalgo, que fatura entre 15 000 e 20 000 reais em uma consultoria de seis meses. Ele é a mente por trás do perfil de Anna Clara Serpa, 26 anos, que largou a faculdade de direito e investiu cerca de 25 000 reais para se tornar influenciadora. Anna teve seu clique na lua de mel, em Dubai, quando publicou fotos no Instagram e se entusiasmou com o número de curtidas. Mudou-se de Cabo Frio para o Rio de Janeiro, contratou Fidalgo, empenhou-se na profissão e hoje tem cerca de 30 000 seguidores. “Durante quatro meses, ela chegava ao meu escritório e eu a massacrava com críticas das fotos, da postura, das legendas, da produção”, lembra seu mentor. Ainda em início de carreira, Anna ganha 650 reais por produto recomendado e não desliga nunca: posta cerca de cinquenta stories por dia, edita pessoalmente cada foto (as mais bem-sucedidas contratam profissionais para isso) e conversa sem parar com sua turma. “Nunca deixo um seguidor sem resposta. A cobrança é muito grande. Não posso correr o risco de ficar para trás”, preocupa-se.

O contato entre anunciante e influenciador parte ora de um, ora de outro, e costuma dar certo. Dona de uma loja de produtos de limpeza, a empresária Letícia Yagura viu o perfil de uma influenciadora (100 000 se­guidores) que costuma aparecer na máquina de costura produzindo peças para a casa e resolveu lhe mandar uma receita para tirar mofo de tecido com água sanitária — acompanhada do próprio alvejante com a sua marca. A influencer usou e aprovou, tudo em vídeo. “Os pedidos aumentaram 30%. Foi uma ação de sucesso que só me custou uma água sanitária”, festeja Letícia. Muitas vezes o contrato prevê esquemas de permuta ou convites. Todos os anunciantes, sem exceção, apontam a necessidade de a recomendação do influenciador não parecer comercial — daí a importância de ele só falar bem daquilo que realmente aprecia: “Quando fica com cara de troca-troca, o tiro sai pela culatra”, alerta Ricardo Amaral, da Royal Caribbean. A empresa de cruzeiros oferece viagens em busca de recomendações e diz ter retorno financeiro quatro vezes maior que o valor investido em suas ações com influenciadores digitais.

Novata – Anna, caprichando na pose para conquistar mais público: cinquenta vídeos por dia e resposta a comentários (Marcos Michael/.)

“O bom influencer não é necessariamente uma celebridade, mas sim alguém que sabe usar sua relevância em um grupo restrito para alcançar objetivos e faturar”, ensina a empresária Alice Ferraz, de São Paulo. Alice fundou há oito anos a plataforma F*hits, que hospeda atualmente 330 influenciadores, dos quais é uma espécie de mentora de negócios. A matéria-prima dos influencers é o cotidiano doméstico de cada um, e isso pode causar problemas. “Às vezes tenho dificuldade em separar minha vida pessoal do trabalho e selecionar o que quero que o público veja”, admite Luiza. A colega Yasmin Miranda confirma o sentimento. “Há dias em que acordo sem a menor vontade de postar vídeos, mas faço assim mesmo. Eu sou o produto. Tenho de seguir meu cronograma. Preciso permanecer conectada, falando com meus clientes o tempo todo, senão perco o engajamento”, relata.

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Aos candidatos a digital influencer, um aviso: a vida exposta e conectada tem de ser levada com muito cuidado. “A ânsia de chamar atenção para si nas redes é um poderoso desencadeador de ansiedade em seu nível mais grave”, explica o psicólogo Cristiano Nabuco. Na avaliação do filósofo Luiz Felipe Pondé, o fenômeno reflete angústias recônditas. “O que as redes sociais tornam obscenamente explícito — em especial no comportamento dos influenciadores e seguidores — é o desespero humano pela relevância e o pavor da solidão”, diz. Nada que 2 000 curtidas a cada foto não varram para debaixo do tapete.

Publicado em VEJA de 16 de maio de 2018, edição nº 2582

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