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Tristan Harris, ex-Google: “Se você puder sair das redes, saia”

De sua casa perto de San Francisco, na Califórnia, o ativista digital falou por vídeo ao editor Marcelo Marthe

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 25 set 2020, 10h57 - Publicado em 25 set 2020, 06h00

As redes representam de fato uma ameaça à humanidade, como faz crer o documentário? Não é um exagero? Se a tecnologia continuar levando o mundo para o caminho atual, a ameaça existencial será concreta. A lógica das redes destrói a noção de uma realidade compartilhada por todos, ao fragmentar as pessoas em bolhas sem contato entre si. Se você não tem uma realidade em comum com as pessoas a sua volta, terá violência. As redes servem para fornecer a cada grupo um espelho de autoafirmação, e não para informar.

Essas bolhas de opinião dentro das redes são culpadas pela polarização de hoje? As inteligências artificiais das redes criam uma espécie de túnel da realidade que leva as pessoas cada vez mais para o interior de suas próprias bolhas. Por definição, personalização é lucrativo, e polarização também, porque você dá à pessoa uma versão extrema da própria realidade. Se uma adolescente começa a ver vídeos de dietas no YouTube, o aplicativo vai mostrar mais vídeos de dietas. O YouTube não sabe se são bons ou ruins, apenas calcula se as ofertas vão prender a atenção.

Não é alarmismo sustentar que todos somos manipulados pelas redes sociais? Evoluímos para nos importarmos com coisas como a aprovação social. Se muitas pessoas falam coisas ruins sobre mim no Twitter ou no Instagram, isso machuca. Mesmo que haja milhares de comentários positivos, se houver dois negativos, eu só terei olhos para os negativos. Quando as redes usam essa suscetibilidade para seus propósitos, isso é manipular. Se você tenta se afastar no Instagram ou do Facebook, eles mandam e-mails para fazer você voltar. É como um traficante de drogas perguntando se você não quer um pouco mais de cocaína.

O vício nas redes e a dependência química se equivalem? Os traficantes são apenas uma metáfora — mas que funciona. O ponto é: você se sente no controle quando olha o TikTok, o Facebook e o YouTube, ou entra para dar uma olhada e uma hora depois não sabe por que continuou ali? Isso é um sintoma de que a humanidade perdeu o controle do próprio destino. Se eles controlam nossa informação, eles controlam nossas ações. Se quisermos retomar o controle, precisamos reconhecer que eles controlam mais a gente do que nós controlamos a tecnologia.

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Como as redes afetam nosso bem-es­tar? Está muito claro que as empresas de mídias sociais não são construídas para que as pessoas se sintam realizadas em viver suas vidas. Nós valemos mais para o Facebook se formos viciados, distraídos, indignados, polarizados, narcisistas e desinformados do que se vivermos livremente de maneira rica, e não grudados nas telas. Uma pessoa que acampa com os amigos ou passa horas jogando futebol não é tão rentável para o Facebook como aquelas que passam a maior parte do tempo preocupadas com a aprovação social desse sistema.

Percebe algum movimento das empresas para mudar essa lógica? As companhias nunca vão mudar seu modelo por conta própria. Isso só vai acontecer com uma pressão externa poderosa e regulamentações governamentais. Espero que o filme crie um desejo coletivo, e que as pessoas acordem. Muitos primeiros-ministros, senadores, membros do Parlamento britânico e líderes de empresas de tecnologia assistiram ao documentário e estão respondendo positivamente. Funcionários dessas empresas veem o filme e sabem que é a verdade.

No Brasil, as fake news são um problema muito debatido, mas sem solução. Como lidar com elas? É um problema grave. Vi um estudo mostrando que, na última eleição brasileira, mais de 80% das pessoas tiveram acesso a pelo menos uma fake news antes de Jair Bolsonaro ser eleito presidente. Agora mesmo há pessoas mal-intencionadas tentando manipular eleições nos Estados Unidos e na África. A terceira guerra mundial não se dará com armas e munição, mas com bombardeios de informação.

Como evitar isso? É complicado. Nós acreditamos no que queremos acreditar, porque queremos afirmação. Um dos atalhos da mente é deduzir que, se todos acreditam em algo e dizem que é verdade, então deve ser verdade. Precisamos dar um passo para trás e nos questionar se podemos confiar em qualquer informação que se espalhe de modo viral. Separar a verdade da mentira cabe a nós.

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Um dos conselhos do filme é checar tudo o que se lê nas redes. Qual a importância da imprensa profissional nesse esforço? As redes, especialmente o Facebook e o Twitter, transformaram a imprensa: agora, o jornalismo precisa se enquadrar em posts virais para ganhar visibilidade. Até os bons jornalistas têm de entrar no jogo e exagerar alguns aspectos dos fatos. As pessoas precisam de fontes de informação que as tratem como consumidores que pagam por uma assinatura e têm de ser respeitados.

Como é sua relação com o celular e as redes sociais hoje? Eu uso o mínimo possível. Estou no Twitter e no Facebook, mas não os utilizo muito, e sou muito consciente do que compartilho. Tenho um perfil no Instagram que, após ficar desativado por oito anos, ganhou 30 000 seguidores na semana passada, por causa do filme. Mas meu conselho é: se você puder sair das redes, saia.

Publicado em VEJA de 30 de setembro de 2020, edição nº 2706

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