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Startups encaram obstáculos das pequenas empresas no Brasil

Burocracia, impostos altos e escassez de diálogo com universidades atrapalham desenvolvimento de companhias inovadoras

Por Da Redação
27 Maio 2012, 20h00

Quando o americano Davis Smith e seu sócio, Kimball Thomas, resolveram vir ao Brasil para fundar o site Baby.com.br, já tinham investidores dispostos a apostar no negócio. Smith reparou que o país ainda não contava com uma loja virtual de produtos para bebês que oferecesse uma variedade comparável à de estabelecimentos americanos. Essa constatação virou oportunidade aos olhos dos empreendedores. Contudo, foram necessários seis meses para abrir oficialmente a empresa no Brasil, o que demandou ainda custos com advogados e contadores. Uma comparação evidencia o contraste de ambientes: quando a dupla abriu uma empresa no estado americano de Delaware, levou apenas 24 horas. A demora ilustra a série de barreiras enfrentadas por empreendedores por trás de startups, as empresas de inovação, no Brasil. Surgidas pequenas, eles encaram aqui os entraves a que estão sujeitas as demais companhias desse porte. O problema, porém, torna-se mais grave para as startups porque, para inovar, elas em geral precisam se desenvolver de maneira acelerada, ao mesmo tempo incorporando e desenvolvendo novas tecnologias.

Tamanha é a necessidade por dinamismo para fazer uma startup vingar que lugares como o Vale do Silício, na California – que tem um ecossistema de inovação bem desenvolvido – contam com instituições e programas que apoiam o desenvolvimento de empresas de inovação. São as incubadoras e aceleradoras, que começam a se disseminar também pelo Brasil. “Quando se trata de inovação, os riscos são muito maiores do que nos negócios tradicionais. Se uma área é conhecida, já se sabe quais são os riscos daquela atividade”, diz Ricardo Sazima, cofundador da Inova Ventures Participações, empresa que pretende fazer investimentos iniciais em startups. “O conceito de desenvolvimento de startups gira em torno de acelerar todos os processos, seja empresarial, de estruturação ou de investimento”, diz Sazima. Por aqui, uma iniciativa tenta dar agilidade a processos – ao menos aos burocráticos. Está em estudo a inclusão no Parque Tecnológico de Sorocaba (PTS), ainda em fase de projeto, uma espécie de Poupatempo da Inovação, que centralizará todos os órgãos e instituições envolvidas no processo de inovação tecnológica.

De acordo com levantamento publicado neste ano pelo Banco Mundial, o tempo médio necessário para abrir uma empresa no Brasil é de 119 dias. A média americana é de quatro dias. Outro grande entrave para empreendedores é a dificuldade de fechar uma companhia. “Quando você abre uma empresa no Brasil e ela não da certo, você carrega isso por muito tempo, é realmente complicado fechar uma companhia”, diz a assessoria de imprensa do fundo de investimentos Monashees, especializada em inovadores. A empresa conta que essas dificuldades acabam inviabilizando no Brasil a figura do serial entrepreneur, ou empreendedor serial, muito comum no Vale do Silício. Trata-se do empreendedor que cria vários negócios, construindo várias oportunidades.

O excesso de tributação também é uma queixa recorrente dos empreendedores, entre eles o empresário Fernando Canuto. Ele criou o bougue – uma plataforma de busca e contratação de serviços, como reformas, buffet e festas. “Eu ainda não faturo e já estou pagando impostos, além de arcar com os custos de operação, como aluguel e condomínio.” Seu site permite que pessoas encontrem uma série de prestadores, além de ofertas específicas. Também é possível fechar o negócio pela própria plataforma que Canuto construiu. “Estou ajudando a economia, motivando o mercado com o meu produto e com o meu próprio dinheiro”, diz. O empreendedor recebeu um investimento no início do ano e deve fechar negociações com um fundo nos próximos meses. Mas, antes dos aportes, tocou sua empresa com recursos próprios por catorze meses e chegou a se desfazer de um imóvel. “É complicado, tem que ter um espírito empreendedor muito forte”, desabafa.

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O empreendedor Marcus Andrade também teve que depender inteiramente de recursos próprios até receber o primeiro investimento. Ele é um dos fundadores do Guidu – um guia on-line, em formato de rede social e com conteúdo colaborativo. “Queremos ajudar as pessoas a se divertir”, explica Andrade, que já trabalhou na Endeavor, uma organização sem fins lucrativos que apoia empreendedores nos mercados emergentes. “A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) têm alguns programas para ajudar com investimento inicial de empresas, mas ainda são muito voltados a temas como biotecnologia ou nanotecnologia. O Guidu ainda não conseguiu se encaixar.”

Nelson Fujimoto, secretário de inovação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), reconhece que o Brasil precisa de mais programas e incentivos para ajudar o empreendedor. “Isso tudo é muito pouco regulado no Brasil”, diz. “Se algo está dando certo, o governo põe dinheiro, e, se não está dando certo, não põe. Não estipulamos quantidade e não temos monitoração.” No vizinho Chile, por exemplo, a história é diferente. O programa Start-Up Chile oferece uma bolsa de 40.000 dólares a empreendedores nacionais e estrangeiros que concordarem em abrir startups no país, passando, é claro, por uma triagem.

Outra queixa recorrente é a quantidade de leis não regulamentadas. Pierre-Emmanuel Joffre é um dos afetados pela confusão em torno do ICMS. O Francês veio ao Brasil e abriu o Coquelux, um clube fechado de compras on-line. Empresas de e-commerce, no entanto, não sabem para qual estado devem pagar o imposto ao realizar uma venda. Para se certificar de que nenhum pagamento ficará pendente, Joffre acaba pagando duas vezes o mesmo imposto em algumas de suas transações – para o estado do endereço remetente e para o estado de destino da mercadoria. “Tudo é muito complicado no Brasil. Gasto 20% do meu tempo com assuntos que não são produtivos: abertura de filial, mudança da matriz para outro lugar etc.” Davis Smith, do Baby.com.br, concorda. “Eu e meu sócio cursamos mestrados em duas das melhores universidades americanas e não conseguimos descobrir qual a maneira certa de fazer as coisas por aqui. Tivemos que contratar pessoas para nos ajudar.” O Baby.com.br chegou manter dois escritórios de advocacia diferentes para cuidar da mesma tarefa – e recebeu informações conflitantes. “Até os especialistas ficam confusos”, diz.

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Outra barreira à inovação está na escassez de diálogo com universidades, de onde sai boa parte da inovação que pode ser levada à sociedade. A maioria das instituições brasileiras se limita a exigir que seus alunos cumpram o currículo do curso, sem incentivá-los a se aproximar da iniciativa privada. Além disso, em geral, as pesquisas estão mais voltadas à criação de conhecimento e menos preocupadas em fazer com que o conhecimento produzido chegue ao mercado. Quando a parceria é feita, os dividendos ajudam a sustentar a própria instituição: a Universidade de Jerusalém, por exemplo, recebe anualmente 1 bilhão de dólares por ano de royalties, oriundos das empresas ali instaladas.

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) é uma das instituições brasileiras nesse caminho. Criou o Prêmio Inovação, que procura destacar, dentre os projetos de iniciação científica, quais pesquisas têm potencial de inovação maior, ou seja, aqueles que têm mais chances de chegar ao mercado na forma de um produto ou serviço. Roberto Lotufo, diretor-executivo da agência Inova Unicamp explica: “Assim como queremos que o aluno faça sua iniciação científica, acreditamos que ele precisa ter noção da dificuldade e da importância de converter ciência em riqueza e desenvolvimento tecnológico.”

Nos EUA, o Escritório de Desenvolvimento Tecnológico da Universidade Harvard até possui seu próprio fundo para ajudar o desenvolvimento de tecnologias em estágio inicial que surgem no campus – e prepará-las para serem licenciadas e comercializadas. “Aqui, a Lei da Inovação, de 2004, permite essa parceria, mas ainda não foi regulamentada e não é levada em conta pelo regimento de muitas universidades. Algumas instituições têm equipamentos de 1 milhão de dólares – e as empresas privadas poderiam se beneficiar deles em parcerias.” O Brasil, portanto, ainda tem muito o que inovar.

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