Anos atrás surgiu por aqui um aplicativo irresistível. Chamava-se Secret e era viciante e divertido. Você conectava nele a sua lista de amigos e todos podiam ler e postar segredos anonimamente. Seus inventores ganharam muito dinheiro, até que surgiram problemas. Lembro da fofoca sobre uma traição de noivos que apareceu no dia do casamento deles. Depois, houve uma postagem que assustou o mundo e virou notícia: “Vou me matar”. Quem era? Como ajudar? Suspeitas de que a formação de nuvens de bullying estava levando a suicídios de adolescentes destruíram a reputação do Secret tão rapidamente quanto se dera seu crescimento. Um juiz brasileiro proibiu o aplicativo alegando que a liberdade de expressão não inclui o anonimato. Nem precisava: mais ou menos na mesma época, David Byttow, criador do Secret, escreveu aos usuários que sua invenção havia sido desvirtuada e seria desativada. Foi um exemplo de responsabilidade e coragem.
As indústrias do tabaco e do petróleo por anos esconderam dados que revelavam que seus produtos estavam ocasionando danos aos consumidores e à sociedade. Exemplos de fraude contra os compradores da indústria automobilística também já vieram à tona. Quanto aos celulares, é fácil testemunhar em qualquer restaurante o vício que ele é capaz de causar — é gente comendo sem conversar, de olho grudado na tela e postando fotos de comida emolduradas por uma alegria artificial.
Quem nos garante que o celular e as redes sociais não estão nos intoxicando e fazendo mal? Quem está fiscalizando? O que dizem os estudos, numa época em que as transformações são tão incrivelmente velozes e não dá nem tempo de sair da nossa “ilha” para enxergar quais nuvens pairam sobre a nossa cabeça?
Pela minha experiência e percepção como profissional que trabalha com redes sociais, algo saiu do controle e fez aflorar o pior das pessoas em vez do melhor. Será que os bilionários empresários do setor de tecnologia estão atentos a isso? Será que terão a mesma humildade e humanidade de David Byttow, caso a vida os coloque diante de uma escolha semelhante?
Existir já é difícil, mas sob pressão social — por corpos perfeitos, por vidas “photoshopadas” — tudo fica um pouco mais sofrido. A publicidade tende a aumentar sua capacidade de se aproveitar da infelicidade e das frustrações das pessoas para fomentar o consumo e influenciar ainda mais os comportamentos. Não se pode cometer o erro da indústria do cigarro, que, mesmo sabendo que o produto é cancerígeno, fez propaganda dele até em desenhos animados.
Foi o Facebook, por meio do Instagram e do WhatsApp, o corresponsável por possíveis problemas derivados de fake news nas eleições americanas? Existe a possibilidade de as fakes news terem influenciado as nossas eleições? São perguntas que a sociedade e as empresas precisam fazer-se. Só assim poderemos achar uma solução para que a tecnologia das redes sociais seja ferramenta, não doença nem arma.
Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2018, edição nº 2606