No conto Ali Babá e os Quarenta Ladrões, do clássico da literatura As Mil e Uma Noites, o tesouro escondido em uma caverna só pode ser acessado após o aventureiro proferir a célebre senha: “Abre-te, Sésamo”. Os comandos por voz são a pedra fundamental da evolução humana. Com palavras firmes, pais educam suas crianças, mestres ensinam aprendizes. A voz também é a base de brincadeiras que atravessam gerações — que adolescente nunca se divertiu jogando Verdade ou Consequência? Os passatempos evoluíram na esteira da inteligência artificial e hoje em dia as rodas de amigos podem ser substituídas por celulares e assistentes virtuais.
A Apple deu o pontapé inicial nesse mercado ao lançar a Siri, que permite ao usuário do iPhone bater papo e obter informações como a previsão do tempo. A assistente de voz Alexa, da Amazon, e o Google Assistente elevaram o nível. Com esses equipamentos, já é possível acender as luzes da casa, pedir comida ou chamar um carro por aplicativo — basta falar em alto e bom som em um microfone. Agora, os games por voz passaram a ser a nova tendência dessa fascinante tecnologia.
Existem voice games para todos os gostos e, tão importante quanto, cada vez mais opções em português. Os de perguntas e respostas, como o inspirado no programa Show do Milhão, de Silvio Santos, ou de adivinhação, como Akinator, são os de maior sucesso. “É bastante cômodo, pois não precisa de toque nenhum”, diz o programador carioca João Paulo Alqueres, fundador da empresa Iara Digital. “Tem gente que deixa o assistente na cozinha ou na mesa e brinca enquanto realiza uma ação de rotina, como lavar louça ou andar de esteira.” Em julho, ele se tornou o primeiro sul-americano a receber o prêmio Alexa Champions, um programa global da Amazon que homenageia seus desenvolvedores mais engajados.
Entre as mais de 100 criações de voz do brasileiro, destacam-se o jogo Escolha Sua Aventura, uma série de histórias interativas, e o mais recente, o quiz Desafio Jurassic World. O voice game da franquia Jurassic Park tem tom educativo e propõe um passeio virtual pela fictícia Ilha Nublar. Ao acertar questões como “O mosassauro é carnívoro?”, o usuário consegue destravar uma galeria de rugidos pré-históricos. “Descobri que sei menos do que imaginava sobre dinossauros e toda vez aprendo coisas novas, enquanto minhas filhas se divertem”, diz Tiago Maranhão, gerente sênior de conteúdo da Alexa. Outra vantagem é a acessibilidade. Os jogos de voz são indicados para pessoas com deficiência visual ou motora, pois não exigem o uso de joysticks ou telas. A Amazon também premia criadores de games mais inclusivos, em parceria com a AACD, o Instituto Jô Clemente e a Fundação Dorina Nowill para Cegos.
Assim como toda a indústria de tecnologia, os voice games ganharam impulso na pandemia. Outro brasileiro de destaque é Jeferson Valadares, CEO da Doppio, empresa com sede em Portugal que recebeu investimento de 1 milhão de dólares da Amazon e do Google. Seu último lançamento, um game exclusivo para o Zoom, pegou carona no fenômeno das reuniões virtuais entre amigos. “Tentamos sempre fugir do trivial e explorar todas as plataformas”, diz Valadares, que passou longas temporadas no Vale do Silício. Os jogos de voz não vão substituir os videogames tradicionais, mas devem complementá-los. O desenvolvedor vê muito espaço para os modelos multimodais: “Imagine um game de futebol em que o usuário pede ao jogador que cruze alto na segunda trave. Essa tecnologia chegará em breve”. Quando isso ocorrer, será mais um belo salto da nova era digital.
Publicado em VEJA de 22 de setembro de 2021, edição nº 2756