Cientistas recriam hemoglobina de mamute

Por Marco Túlio Pires
Graças a um gene de 43.000 anos, pesquisadores de universidades do Canadá e da Austrália descobriram como os mamutes se adaptavam às temperaturas abaixo de zero na Sibéria e América do Norte pré-históricas. O gene, que codifica a proteína responsável pelo transporte de oxigênio em mamíferos (hemoglobina), foi inserido em bactérias Escherichia coli (E. coli). Em laboratório, essas bactérias são utilizadas para sintetizar proteínas humanas, como a insulina. A descoberta revelou que o gene permitia aos animais manterem seus tecidos oxigenados, mesmo a temperaturas muito baixas. “É como se voltássemos 40.000 anos no tempo e retirássemos uma amostra de sangue de um mamute vivo”, diz Kevin Campbell, biólogo da Universidade de Manitoba, no Canadá. O artigo foi publicado neste domingo no site da Nature.
O estudo da equipe de Campbell partiu do DNA obtido de ossos de mamute preservados nas geleiras da Sibéria. O pesquisador trabalhou com o especialista em DNA Alan Cooper, da Universidade de Adelaide, na Austrália, para isolar o gene do mamute responsável pela hemoglobina. Utilizando um processo já conhecido para sintetizar proteínas, Campbell e sua equipe conectaram o gene isolado à bactéria E. coli. O cientista diz que a proteína obtida com a técnica é idêntica as que teriam sido produzidas pelas células do animal, há mais de 40.000 anos.
O passo seguinte foi comparar o funcionamento da hemoglobina do mamute com as de elefantes africanos e asiáticos � também criadas em laboratório, utilizando o mesmo método da bactéria E. coli. A hemoglobina do elefante funciona de maneira semelhante a dos humanos, distribuindo o oxigênio pelas células em temperaturas mais quentes. Quando exercitamos nossos músculos, as células elevam a temperatura indicando a necessidade de mais oxigênio naquela região. A hemoglobina humana é produzida com a característica de distribuir oxigênio prioritariamente nessas áreas de maior necessidade. A hemoglobina do mamute, no entanto, distribui o oxigênio de maneira homogênea, independentemente da temperatura. Isso quer dizer que ela possui maior facilidade de troca de oxigênio com as células que a hemoglobina de outros mamíferos. Essa diferença ajuda a explicar como o mamute conseguia se adaptar às gélidas temperaturas. Além de orelhas pequenas e pelo grosso, Campbell sugere que o mamute pode ter desenvolvido formas de esfriar dramaticamente os membros para conservar energia e a temperatura geral do corpo.
Esse truque fisiológico é usado por animais adaptados ao frio de hoje, como as renas. Mas a baixíssima temperatura nas patas, normalmente enterradas na neve, era um grande problema. “O que o mamute desenvolveu foram mudanças na hemoglobina que reduzem a quantidade de calor necessária para a troca de oxigênio”, disse Campbell, o que permitiu que os animais mantivessem suas extremidades “respirando” mesmo em temperaturas muito baixas.