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Aprender a ler, calcular e… programar: o novo desafio nas escolas

Instituições brasilerias dão os primeiros passos no ensino de programação para crianças do ensino fundamental. Mas a iniciativa está longe do consenso

Por Renata Honorato
14 dez 2013, 17h14

“Não compre um videogame, faça um. Não baixe um app, desenvolva o seu”. Com esse discurso, o presidente Barack Obama demonstrou, no último domingo, apoio à iniciativa de ensinar programação a crianças de 6 a 10 anos nas escolas americanas. Não se trata de uma invenção de Obama. Profissionais da área e também uma corrente de acadêmicos defendem que, uma vez que a tecnologia está presente em quase todas as atividades humanas, aprender a linguagem das máquinas é tão importante quanto dominar o alfabeto – uma ideia interessante, mas que está longe de alcançar o consenso. A mais de 7.500 quilômetros de Washington, em São Paulo, colégios privados parecem estar em sintonia com a proposta: elas já incluíram em seus currículos aulas dedicadas à matéria no primeiro ciclo do ensino fundamental.

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O Colégio Visconde de Porto Seguro, um dos mais conceituados da capital paulista, começa a ensinar os primeiros passos de lógica de programação para alunos de 2 anos de idade em aulas optativas ministradas a partir de aplicativos para iPad. Jogos de memória e associação (que incluem tarefas como arrastar a imagem de um brinquedo na direção de uma criança, por exemplo) são as primeiras ferramentas usadas para introduzir os alunos no universo dos códigos. A partir dos 8 anos, eles são apresentadas à robótica. Segundo Renata Pastore, diretora de tecnologia educacional da escola, os professores são instruídos usar a lógica de programação dentro de suas disciplinas. “Nós já utilizamos esses conceitos, por exemplo, para ensinar aos alunos do 5º ano os movimentos de translação e rotação da Terra a partir do desenvolvimento de simuladores de movimento”, diz a diretora. “Os trabalhos envolvendo programação estimulam o raciocínio no ensino infantil.”

Ensinar programação não é uma tarefa fácil para os professores. O primeiro desafio é não assustar as crianças e tentar desmistificar o assunto. Para isso, os docentes contam com ajuda de softwares que tornam lúdica a experiência de aprender. O Scratch, desenvolvido pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), e o Kodu, da Microsoft, são alguns dos programas utilizados em sala de aula no Porto Seguro para desenvolver cartões interativou ou jogos. Outra solução é o aplicativo TinyTap para iPad. Ele permite a criação de games simples, como joguinhos da memória, e seu compartilhamento em uma comunidade de usuários.

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O Colégio Vértice também adotou a prática, mas optou por desenvolver o projeto para alunos do 8º e do 9º anos. Para isso, as aulas de informática foram transformadas em aulas de programação. A disciplina é obrigatória. “Tínhamos receio de que os alunos não gostassem da ideia. De fato, isso aconteceu em alguns casos. Mas outros passaram a se interessar mais por matemática depois de entender conceitos de programação”, diz o professor Mateus Ferreira. Ponto para a iniciativa.

As aulas também utilizam softwares específicos de ensino. É o caso de Move The Turtle, que mostra para as crianças como funcionam os códigos de máquina. “As aulas, com até 15 alunos, são práticas. Usamos computadores e iPads como ferramenta”, diz o professor. O objetivo é menos formar futuros profissionais do que colaborar com o desenvolvimento do raciocínio lógico, uma das habilidades treinadas nas aulas.

Organizações em vários países trabalham em prol da multiplicação das aulas de programação no ensino básico. Nascida nos Estados Unidos, a ONG Code.org recebeu o apoio de executivos como Bill Gates, da Microsoft, e Mark Zuckerberg, do Facebook. Celebridades como o ator Ashton Kutcher, a cantora Shakira e o rapper Will.I.Am também abraçaram a causa, espalhando na web vídeos de incentivo aos jovens programadores. Para ajudar os professores, o Code.org oferece gratuitamente material didático e mantém um fórum onde os docentes podem tirar dúvidas e compartilhar experiências. O Colégio Vértice adotou a metodologia proposta pela organização americana. Continue a ler a reportagem

Assista a seguir ao vídeo que apresenta o projeto Code.org

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Já a ONG britânica Code Club, cuja proposta é criar clubes de programação para crianças, ganhou relevância global e possui uma célula no Brasil. Segundo Felipe Fernandes, porta-voz local da organização, existem no país vinte clubes, espalhados em sete estados. O trabalho dos voluntários é traduzir tutoriais para o português e monitorar as aulas, normalmente realizadas em casas, igrejas e escolas. “Quando essas crianças aprendem a criar suas próprias aplicações, o mundo se abre para elas. Elas passam de consumidores passivas a desenvolvedores ativas”, diz Fernandes.

Por trás de todas essas iniciativas está a visão de que as crianças precisarão familiarizar-se com o código das máquinas e, no limite, dominá-lo. É uma tese difundida por acadêmicos como Mitchel Resnick, coordenador do Lifelong Kindergarten, grupo de pesquisas do Media Lab do MIT voltado para o uso da tecnologia por crianças. “Todos deveriam aprender a programar, porque essa habilidade aprimora a capacidade de aprender”, escreveu Resnick. Ele costuma dizer ainda que a programação “pode ser um aspecto de fluência no século XXI”. É como dominar a língua inglesa: quem conhece bem o idioma, tem mais chances de obter um emprego melhor – e também de se divertir mais durante uma viagem ao exterior. Continue a ler a reportagem

Assista a seguir ao vídeo que mostra o funcionamento do programa Scratch

Em relação às crianças, particularmente, Resnick prega que a programação oferece aos alunos ferramentas para a solução de problemas, além de favorecer a colaboração entre outros alunos, já que os fóruns são as principais fontes de pesquisa para os programadores. Adicionalmente, o conhecimento adquirido pode render aos aprendizes frutos no futuro. Segundo o Code.org, até 2020, serão oferecidos 1,4 milhão de postos de trabalho nas áreas de programação, engenharia e mineração de dados no mercado americano. Contudo, segundo estimativas, apenas 400.000 alunos sairão do ensino superior formados em ciências da computação. Os alunos que, a partir do ensino básico, perseverarem na área devem, portanto, ter emprego e altos salários garantidos.

Não é consenso, contudo, que o ensino de linguagens de programação deve ombrear com português, matemática e outras disciplinas nos currículos escolares – já bastante carregados. Fundador do Instituto de Artes Interativas, de São Paulo, que oferece aulas de programação para crianças, Lucas Longo é contra a inclusão da matéria no conteúdo escolar. Para ele, em vez do ensino compulsório, a programação deve aparecer na vida das crianças quando elas demonstram interesse. “Os estudantes têm que gostar de números e de resolver quebra-cabeças para as aulas de programação terem sentido. Já testemunhei casos em que as crianças desistiram logo no começo”, diz Longo. “Se universalizássemos o ensino da matéria, muitas crianças se sentiriam desapontadas.”

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Coordenador de comunicação e informação da Unesco no Brasil, Adauto Candido Soares também pede cautela. Segundo o estudioso da aplicação da tecnologia na educação, o Brasil teria de superar as fragilidades de seu sistema de ensino para levar a programação a todos os alunos, especialmente da rede pública. “O aprendizado de programação exige competências específicas, como domínio da matemática, o que ainda é uma realidade distante no Brasil”, afirma. “Em vários países asiáticos, a situação é diferente. As escolas mantêm um currículo voltado à formação profissional e, por isso, a matemática é vista como prioridade.” Não à toa, o Pisa 2012, mais importante avaliação internacional de educação, colocou na semana passada a província chinesa de Xangai no topo do ranking em matemática. O Brasil aparece em 58º lugar.

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