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“Vacinem seus filhos”, diz pai de Alicia, 7 anos, que morreu de Covid-19

Em depoimento a VEJA, o médico Rodolfo Aparecido da Silva conta em detalhes o que aconteceu à filha, vítima fatal do coronavírus

Por Simone Blanes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 21 jan 2022, 13h21 - Publicado em 21 jan 2022, 12h46

No dia 16 de dezembro de 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a vacina pediátrica da Pfizer contra a Covid-19 para crianças de 5 a 11 anos. Só que a campanha de imunização desse público, que deveria ser motivo de comemoração, sofreu vários entraves por conta de barreiras impostas pelo governo federal, encabeçadas pelo presidente Jair Bolsonaro, que se mostra contrário à vacinação infantil.

Por causa disso, a imunização de crianças só começou em janeiro de 2022, após uma consulta pública e uma audiência pública realizada pelo Ministério da Saúde. As primeiras doses do imunizante pediátrico da Pfizer chegaram ao Brasil no dia 13 de janeiro e, no dia seguinte, o menino indígena Davi Seremramiwe Xavante foi a primeira criança a ser vacinada contra a doença no país. Nesta quinta-feira 20, a Anvisa também aprovou a vacina CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, para uso emergencial em crianças e adolescentes de 6 a 17 anos.

A menina Alicia da Rocha Novaes Silva, de 7 anos, não teve a mesma sorte de Davi. Ela morreu no dia 18 de janeiro de 2021 por complicações da Covid-19. A VEJA, o médico Rodolfo Aparecido da Silva, 44 anos, pai de Alicia, conta em detalhes o que aconteceu à filha e faz um apelo aos pais e responsáveis das crianças: “Vacinem seus filhos”.

A seguir, a íntegra do depoimento do médico:

“Na terça-feira, 18 de janeiro de 2022, fez um ano que perdemos a Alicia para a Covid-19. A princípio, ela não teve nenhum sintoma, não teve falta de ar, febre, coriza nasal, não teve nada. Mas, por volta do dia 15 do ano passado, ela apareceu com umas lesões na boquinha e na mão, que lembravam aquela infecção de mão, pé e boca. O pediatra avaliou e disse que era isso até porque, na época, ela fez o exame da Covid-19 e não deu nada. Fez outros exames também, e estava tudo bem. No dia seguinte, sábado, dia 16, no final do dia, de repente, a Alicia iniciou uma dispneia (falta de ar) súbita e a levaram para o hospital onde eu estava de plantão. Atendo no SUS (Sistema Único de Saúde), na região de Indaiatuba. Chegando lá, colhemos novos exames, fizemos uma tomografia e uma nova sorologia para ver se ela já tinha tido Covid-19. O exame confirmou que ela já havia tido a doença e, portanto, estaria imune. Mas ela piorou e acabou tendo que ser internada na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), com complicações. Precisou ser entubada e faleceu de domingo para segunda-feira, às 00:38.

No dia em que ela morreu, fizemos a certidão de óbito com causa indeterminada porque nos exames, Alicia apresentou alterações comuns para dengue e outras doenças, mas nada relacionado à Covid-19. Mandamos as amostras para o Instituto Adolf Lutz e para outros laboratórios e somente 45 dias depois tivemos o diagnóstico de síndrome multissistêmica inflamatória associada à Covid-19, ou seja, o corpo reagiu à doença de uma tal forma que produziu um excesso de anticorpos e os próprios mataram o organismo dela. Alicia foi o primeiro caso de Ribeirão Preto e o terceiro do estado de São Paulo.

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O caso da minha filha é uma prova real que desmente esse negócio que falam que criança não pega Covid-19 ou que é mais leve. Não é. Alicia não tinha nenhuma comorbidade. Era uma criança ativa, saudável, nunca precisou de hospitalização. O máximo que tinha, de vez em quando, era uma dorzinha de garganta, um resfriado, coisa de criança, mas nunca teve nem doenças infantis tipo catapora, nada. Gostava de brincar, de correr, era animada, e com uma saúde perfeita.

A Covid-19 em crianças é a mesma coisa que um adulto, e a única maneira que temos de evitar casos assim é com a vacina. É algo que temos agora, o que precisamos nesse momento. A vacina vai deixar totalmente imune? Não, não vai. Mas vai diminuir muito o risco de desenvolver a doença grave. É como uma imunização para meningite, por exemplo. A gente toma a vacina, vai ficar imune, mas ninguém vai sair para visitar e ficar abraçando uma pessoa com meningite. Então por que vacinamos? Para evitar o desenvolvimento da doença grave. Temos lutado para que essa vacina contra a Covid-19 virasse realidade e, agora, que temos, por favor, vacinem suas crianças. Eu tenho mais dois filhos, o João, de 11 anos, que já fez o próprio pré-cadastro e está ansioso, esperando para se vacinar. Ele entende o que aconteceu com a irmã, é bem desenvolvido nessa parte. E tenho a Clara, de 3 anos que quando chegar a vez, também será vacinada. Para ela é mais difícil, pergunta toda hora da irmã, às vezes chora, não consegue entender. Para a gente é muito difícil e continua sendo ter perdido a Alicia. Foi tudo muito rápido, muito intenso, mas não tínhamos sequer um diagnóstico, não tinha o que fazer. Ficamos sentidos, desnorteados, mas agora é correr para não deixar isso acontecer com mais pessoas. A gente pede pra Deus ir arrumando essa parte também.

Eu tive Covid-19 bem no começo da pandemia, em junho de 2020. Na época, só a menorzinha, a Clara, que pegou. Ela é filha do meu segundo casamento com a Tássia. João e Alicia são filhos do primeiro casamento, com a Eliane. Minha esposa não teve e os meninos tiveram, mas a gente não sabe exatamente quando. Da Alicia, pela sorologia colhida na UTI, provavelmente teve uns 10, 15 dias antes, não mais do que isso. Após a morte da Alicia, eu atendi mais três crianças que tiveram Covid-19 e estão vivas, graças a Deus.

Nestes últimos dias, o número de internações de crianças tem aumentado. De adultos também. Mas de crianças, eles escondem demais ou o diagnóstico não é feito direito. Com essa ideia errônea que que criança tem um quadro leve e não pega Covid-19, não se faz teste. Isso infelizmente acontece. Ainda existe entre os colegas, entre pediatras, essa crença de que crianças não pegam. Tem colega falando que a vacina vai matar a criança, é inacreditável. Muitos colegas que saem da faculdade achando que são deuses, mas que não estão tão habilitados para trabalhar com urgência e emergência. A maioria, quando começa a estudar para ser médico, se acha Deus, e quando se forma, acredita mais ainda e não escuta a ciência.

Eu acredito em Deus, muito, mas acredito mais na ciência. Acho que Deus está presente em todos esses passos que a ciência dá e por isso, acredito sim que tem que imunizar as crianças. E sem perder muito tempo porque vai começar as aulas, e o negócio tende a piorar. Acho que tem que imunizar e mandar as crianças para a escola porque essa coisa de ficarem presas dentro de casa, no computador, também não é a melhor solução. Ainda mais essa nova geração que já tem uma falta de afeto, de carinho, de amor, pelo excesso de tempo que passam no computador. Precisa ter a presença humana para não desencadear outros problemas. Isso está acontecendo no mundo inteiro, a gente sabe que é evolução, mas acho que está prejudicando em algumas partes. Nessa parte de afeto, carinho, e amor pelo próximo.

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Voltando à Covid-19, sobre a ômicron, não é que seja mais leve, mas pode ser mais leve por conta da imunização. Se não tivéssemos imunizados, tinha só piorado o quadro da pandemia. A vacinação é importante não só para não desenvolver a doença grave e óbito como também para parar a circulação do vírus, independente da variante. Acabar com a doença.

Ainda temos muito tempo de pandemia, não vai acabar agora não, vão surgir novas variantes, mas com o tempo elas ficam mais leves, dependendo da imunização. É o que a gente espera, mas que um ou outro ainda vai morrer por conta disso, vai. Igual a pneumonia, outra doença respiratória, vai acontecer morte por Covid, mesmo com todo mundo imune, mas será bem menos, diferente do está acontecendo agora com esse monte de gente indo para a UTI e morrendo.

Se puder dizer algo aos pais, digo: imunize suas crianças sim. Vacine as crianças. A gente não está fazendo uma promessa de que vai vacinar e não vai pegar Covid-19, mas o que a gente quer com isso é que, se pegar, tenha sempre um quadro mais leve, cada vez mais, até que isso suma de vez.  Não se pode deixar de imunizar. A gente já recebe imunizantes logo que nasce, a primeira vacina é feita no hospital. Nenhuma criança sai do hospital sem vacina, isso não existe. Se pais se contraporem, chama Conselho Tutelar, vira uma confusão, mas todos saem vacinados. Não é como transfusão de sangue, que tem essas questões religiosas, às vezes. Sem vacina, não sai de jeito nenhum.

Veja essas doenças que alguns pais estão deixando de imunizar e estão aparecendo de novo, como o sarampo. Tem casos de crianças ficando paraplégicas pela falta da gotinha. Uma coisa que é de graça, tem campanha e o pessoal não dá nem bola. Isso não é para acontecer. É reflexo desses novos tempos que os pais só pensam em whattsapp e redes sociais. É ótima a evolução, mas não dá para esquecer o que é básico: das brincadeiras, do contato humano, e especialmente, da saúde das crianças. No decorrer de todo esse tempo que temos vacinas, a gente vê os efeitos, os resultados, é o que Deus e a ciência mostram todo santo dia. Temos que imunizar as crianças antes da volta às aulas.

Eu tenho especialização, mas trabalhei toda a minha vida como médico de emergência e clínico geral no SUS. Também trabalhei com o SAMU, e te digo, não tem plano de saúde melhor que o SUS. Se não fosse a sacanagem que existe de roubarem o dinheiro do SUS, em todos os sentidos, seria o melhor convênio que existe. Até hoje faço plantão na região de Indaiatuba e faço medicina da família, na Rede Pública, pelo SUS.

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Não acredito que vá melhorar muito com as eleições. Infelizmente o povo se vende por qualquer coisa, qualquer centavo. E isso está meio longe de mudar, ainda mais tirando a criança da escola, com a desvalorização do professor. Eu acho que o professor tinha que ganhar mais que o médico. Porque o cara para ser médico tem que passar na escola primeiro; o cara para ser jornalista tem que passar pelo professor; advogado tem que passar pelo professor. Todos têm, então por que o professor tem que ser tão desvalorizado? Para se ter o mínimo de qualidade, tem que colocar no colégio particular, mas quem tem hoje condição de colocar em colégio particular? Aí afasta a criança da escola e tudo fica pior, em todos os sentidos, não só no básico, mas também no universitário. Tenho visto colegas que se formam para médico, cada vez se achando o Deus todo poderoso, sem saber o ABC. Não sabem e nem querem saber, querem ir ali, ganhar o dinheiro e pronto. Se perdeu o amor pela profissão. Mas não podemos perder a esperança, e atualmente, nossa esperança contra a Covid-19 é a vacina. Portanto, vacinem seus filhos”.

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